sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Jogo da vida



Ela caminhava pela areia molhada
Vez por outra, um onda vinha beijar-lhe os pés.
O vento frio, do fim de tarde,
Atravessa-lhe as roupas e esvoaçava seus cabelos.
As lágrimas mal saiam dos olhos e já eram secas.
Fazia um mês!
Tão pouco tempo para poder abrigar tanta dor.
Como cabia tudo em seu coração?
Ainda lembrava-se das telhas voando pelo céu.
As paredes ruindo sobre si.
Tudo se acabando em entulhos de traição.
Agachada, protegendo a cabeça,
Ainda podia vê-los altivos, em pé, rindo-se dela.
Podia ouvi-los.
Podia senti-los.
Só não podia perdoa-los.
Outra onda, outra lembrança, um sorriso.
Como fora tola!
Agora, caminhava sozinha pela areia macia.
Sozinha, com seus pensamentos desordenados.
Só um mês!
Só três vidas!
Só um lar levado pelo vento.
Só um que o pranteava.
Porque só um restara.
Ergueu o rosto e se deixou lavar pelo vento.
Seus pés molhados iam deixando rastros.
Rastros de destruição, rastros de recomeço.
Reviu as imagens gravadas em seus olhos
E desejou não ter caído como os tijolos
Desejou ter erguido-se o mais alto possivel
E arrogantemente, lançar-lhes todo seu desprezo.
Mas não o fizera.
Nunca imaginara, que enquanto dormia,
Estavam destruindo a estrutura do seu abrigo.
Não cria que fossem tão ignóbeis.
Mas tudo passa.
Ela ainda pode andar descalça pela areia molhada.
Ela ainda pode sentir o cheiro da maresia.
Ela ainda pode sentir o vento em seu rosto,
Mesmo que este esteja mais melancólico.
Ela ainda pode deitar-se, olhar para o teto,
E pensar: Sou feliz porque nada fiz, a ninguém magoei,
Não fui traiçoeira, sequer invejei a felicidade alheia.
Tenho o que mereço: a paz da minh’alma.
Ela sabe que suas lágrimas não diminuirão
O doce sal do mar.
E enquanto anda a esmo,
Sente os beijos das ondas
A lhe acariciar a pele.
Sobreviveu a tantas maleficências.
Superou todas, e assim vitoriosa,
Caminha enxugando as lágrimas
De mais esta perda de pessoas
A quem muito amou
Iludindo-se do amor correspondido.
A vida é um jogo difícil, ela pensa,
Perder é inevitável.
Mas só se sabe quem perdeu
Na última rodada.

Carmen Mattos

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