quinta-feira, 2 de abril de 2015

AMANHÃ


Depois de tantos anos passados
Caminho por onde tão bem conhecia
Não me surpreende vê-lo assim descuidado
O mato crescido, flores descoloridas.
O cheiro é de mofo, de abandono.
Entro na casa com paredes descascadas
E sei onde encontra-lo:
Sentado na espreguiçadeira desbotada,
Da varanda empobrecida.
Cercado por dois velhos cães,
Que me abanam o rabo,
Como se nunca dali tivesse saído.
Os olhos apagados miram o horizonte.
Nem notas minha presença,
Tal qual outrora fazias.
Mãos tremulas seguram um caderno.
Sento-me, no chão, ao seu lado.
Levanto minhas mãos, que roçam nas tuas,
E pego o caderno do teu colo.
Não sei bem se para me notares
Ou simplesmente por curiosidade.
Não te mexes, mal escuto tua respiração.
Abro folha por folha e vejo velhas historias
Cobertas com enormes x a esconder detalhes
Folha após folha, todas com a mesma marca.
Marca da estupidez de negar o vivido.
Já quase no final, há escritos intactos.
E neles reconheço pedaços da minha vida,
Alguns borrões, talvez de tuas lágrimas,
Talvez de tinta de uma velha caneta.
O que importa?
Depois disso, só folhas em branco,
Mostrando que nada mais existiu.
Fecho o caderno e o recoloco no mesmo lugar.
Levanto-me com dificuldade,
Os anos também passaram para mim.
Mas não escrevi minha história em lugar algum
Vivi cada momento, chorei cada dor,
Sofri, gritei, rasguei-me por inteiro,
Sem nunca virar uma página,
Como se nada houvesse acontecido.
Encaminho-me para sair e num último instante
Olho para trás e encontro teus olhos a fitar-me
E vagarosamente, uma única lágrima escorre deles.
E essa lágrima faz lembrar-me o quanto chorei por ti,
E como não tiveste piedade nem compaixão por mim.
Volto-te as costas e sigo em direção à saída.
Sei que ali não mais voltarei, nem mais te verei.
Pensei que ao vê-lo assim, alquebrado,
Poderia perdoa-lo de todo o mal que me fizeste.
Mas não fui capaz. As cicatrizes em meu corpo,
Ainda eram chagas abertas, alimentadas.
Pelo desdém, pelas palavras frias e impiedosas.
Com que me abandonastes sem rumo
Quando eu nada tinha além de ti


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