quinta-feira, 5 de novembro de 2015

LETRAS SOLTAS

Ele olhava a sua volta, em qualquer direção, e só via devastação.
Nada havia que pudesse fazer, tudo morria e se ia como ela fora.
Ainda lembrava-se de seus olhos brilhantes, seu sorriso tão franco.
Sua insaciável vontade de viver, de criar, de iluminar tudo e todos.
Seu jeito destemido a desbravar caminhos e sonhos nunca sonhados.
As loucuras que juntos fizeram na mais completa e perfeita lucidez.  
Ria ao lembrar-se das suas tolices enquanto as lágrimas escorriam.
Ainda sentia sua mão macia procurando a dele, enquanto andavam.
Parecia-lhe que fora ontem a última vez, mas tanto tempo já se passara.
Primeiro ela foi murchando, apagou seu sorriso e enevoou seus olhos.
Depois suas forças foram desaparecendo como os pássaros ao anoitecer.
Mais tarde, tornou-se uma sombra invisível de tudo aquilo que era antes.
Até o dia em que deixou de existir para sempre, tornando-se inacessível.
Por que aquilo tivera que acontecer de forma assim tão inesperada?
Por que ele não percebera que ela estava morrendo aos poucos?
Ela que o salvara e outras tantas coisas protegera com seu corpo.
Ela que nunca o deixara sozinho nas suas horas de aflição e de dor.
A companheira, parceira, cumplice, amiga, mãe, filha e sua mulher.
Agora, estava ele ali sozinho em meio à ruinas, restos da sua ausência.
O pouco que ainda o fazia sentir-se vivo, era o filho que ela lhe deixara.
Ele não sabia onde ela estava, mas devia estar feliz, bem e em total paz.
Talvez ela estivesse vendo tudo, lá do alto e quem sabe tivesse piedade.
Ela sempre fora uma pessoa boa e caridosa, quem sabe o teria perdoado.
E de todo mal que ele lhe causara, somente uma vez ela lhe fizera chorar.
Já cansada de tantos descasos, tantas omissões, ironias e humilhações,
Olhou-o nos olhos e sem qualquer compaixão falou lhe todas as mágoas.
Nada fez pelas costas, escondido ou aos sussurros como ele lhe fizera.
Olhou-o bem dentro dos olhos, viu sua soberba transformar-se em pó.
Mas não riu de suas lágrimas como ele fizera com as dela, tantas vezes.
E agora, em meio ao caos que sua vida se transformara, ele que achara
Que ela não era prefácio nem epílogo na sua existência de falsos valores,
Descobrira que ela e somente ela fora o livro todo e que ele não o lera

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