Os sabiás
cantavam, insistentemente, a lhe despertar.
Ela abriu os
olhos, viu seu travesseiro molhado de lágrimas,
Choradas a
noite, em sonhos repetidamente dolorosos.
Levantou-se
amargurada, tomou um banho demorado,
Lavando
todas as marcas da noite mal dormida, mal vivida.
Vestiu-se
com esmero, pintou sua boca de vermelho sangue,
Calçou seus
sapatos de salto altos e saiu sem destino certo.
Andava pelas
ruas com um discreto sorriso nos lábios,
Olhava as
pessoas que por ela passava, de forma amigável.
Tentava
adivinhar suas vidas, seus penares, suas alegrias.
Cantarolando,
músicas para si mesma, observava sua volta.
Jardins bem
cuidados, flores por toda parte, ruas limpas.
Tudo era
bonito, o ar era refrescante e as pessoas cordiais.
Vez por
outra, parava frente a uma vitrine só para observar.
Nada queria,
de nada precisava, nada que estivesse a venda.
Era só um
ato de sua opereta um tanto sarcástica e irônica.
Entrou num
café dos mais elegantes e com altivez sentou-se.
Era a única
sozinha em uma mesa, sem se abalar pegou o menu.
Fingiu estar
estudando-o, mas já sabia de antemão o que queria.
O garçom
correu a atendê-la, antes de outros que a antecederam.
Talvez
pensasse encontrar alguém numa constrangedora solidão.
Ela lhe
lançou seu sorriso mais cativante que o deixou espantado.
Com segurança
e sem dúvidas, ainda sorrindo, fez seu pedido:
Por favor,
apfelstrudel de maçã e um cappuccino com chantilly.
Saboreou
tudo com mansidão, como fosse sua última ceia.
Já na rua,
lembrou-se de todos os olhares lançados, os cochichos.
Riu-se
devagar e pensou que deveria fazer isso mais vezes.
Mas hoje era
um dia especial, comemorava seis meses na sua casa.
Há seis
meses sabia que nunca ninguém mais lhe diria rudemente:
“A casa é
minha e eu quero que vás embora”. Isso jamais se repetiria.
Estava na
sua casa que um dia largara e na vida deixada para trás.
A vida fora
perdida, pois já não tinha forças para recomeçar do zero.
Jogara fora
todo um trabalho construído ao longo de vinte e seis anos.
Mas o fizera
por amor, talvez um amor ingênuo, irracional, mas amor.
Agora de
volta a sua casa, abre a porta onde o silêncio a recepciona.
Encosta-se, por
uns minutos nela e sente o toque frio da madeira.
Olha a sua
volta, guarda o sorriso e joga os sapatos de salto ao lado.
Tira a roupa
e a pendura para outra ocasião, lava o rosto tão feliz.
Veste seu
pijama de desilusão e vê refletido no espelho olhos sem cor.
Talvez
amanhã repita esse passeio, talvez amanhã recoloque a máscara.
Talvez
depois de amanhã o faça novamente, tornando isso uma rotina.
E essa
mentira tantas vezes repetida, talvez um dia se torne uma verdade.
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