quarta-feira, 8 de julho de 2015

Esquecível


Sentada na poltrona da varanda, olho nos teus olhos.
Estupefata, ouço o que me dizes, mas nada escuto.
Sequer te vejo de verdade, é somente um vulto.
Vejo chuva de pedras na noite fria e escura,
Tremendo de frio, ergo o sombrite já quase ao chão,
Para que as pedras escorram para fora sem causar danos.
Todos os faisões foram salvos e exausta banho-me com água quente.
Vejo um lindo tamanduá Bandeira em frente à porta da horta,
A luz da lanterna a ilumina-lo para que possas fotografa-lo.
Subitamente, ele avança ferozmente rasgando-me roupa e perna.
Vejo minhas mãos em carne viva a amarrar telas para novos viveiros.
Feridas, dolorosas e ensanguentadas, vitimas da árdua tarefa.
Vejo chuva, frio, escuridão e eu a te procurar, perdido na água.
Depois de horas, já de madrugada, encontra-lo e aquece-lo.
Trazer-lhe roupas secas, agasalha-lo e preparar uma comida.
Vejo seu grito desesperado e seu pranto comovente,
Ao deparar-se com nossa cadela morta subitamente.
Vejo a noite fria e chuvosa e eu a te ajudar a carrega-la,
Cavar sua sepultura e contigo preparar sua última estada.
Abraçar-te com força, acariciar teus cabelos e beijar tuas lágrimas.
Vejo-te caído ao chão, inerte, como se morto estivesse,
E no meu desespero correr ao teu encontro e ampara-lo.
Vejo lençóis brancos do hospital a envolver teu corpo.
Tua respiração parar, teus lábios roxos e teus olhos opacos.
Eu a correr pelo corredor silencioso a gritar por socorro.
A sirene da ambulância ensurdecedora a abrir caminhos,
A felicidade de tê-lo de volta a nossa casa são e salvo.
Vejo meu corpo sendo sacudido por mordidas ferozes,
Enquanto cobria o pequeno corpo do nosso bebê, a protegê-lo.
E a felicidade de tê-lo aninhado em meu peito deixando para mim,
Todo o martírio que lhe dirigiam de forma mortal.
Vejo meu corpo na água fria a empurrar a lancha estragada,
E as gargalhadas que essa imagem esdruxula nos trouxe.
Vejo as pessoas te rejeitarem e fugirem da tua presença.
Enquanto eu, pouco a pouco, lhes convencia que eras bom.
Vejo tua cara sempre sisuda a aprender a sorrir.
Vejo a polícia chegar a nossa casa de forma justa e correta,
E tu a receberes com maus tratos e soberba como se certo estivesse.
Eu a olhar-te em sinal de desaprovação, convida-los a sentar,
Oferecer-lhes um refrigerante no quente 24 de dezembro.
E desde então eles o respeitaram e te fizeram de referencia.
Vejo me pedires para escrever lisonjas como se tu as fizesses.
Vejo me quereres um nome para teu blog, pois não sabias faze-lo.
Vejo o abraço apertado do último fim de ano, o que me prometeste.
Vejo outra perda, mais cruel e dolorosa, nosso pranto mais intenso.
Quando nosso menino, depois de dias de padecimento, morrer.
Novamente era eu que estava ao teu lado, morta por dentro a te dar vida.
Vejo tantas e tantas coisas, mas meu olhar esta no vulto a minha frente,
A dizer coisas que não faziam sentido, a me humilhar e ultrajar.
Condenar sem julgamento. Jogar-me na fogueira como bruxa,
Do satânico período da inquisição, quando todas eram culpadas.
Culpadas sem crime, culpadas sem defesa, culpadas de culpas alheias.
Não pronunciei uma palavra, nenhuma lágrima verteu de meus olhos.
Desviei meus olhos dos teus e olhei a volta. Eu estava em toda a parte.
Voltei a te olhar e vi um vazio tão grande que ocupava todo o espaço.
Quem era aquele homem a minha frente? Não havia ninguém.
Sua boca se mexia, mas não eram suas aquelas palavras.
Então continuei a olha-lo para ver se o reconhecia de alguma forma.
Mas nada o remetia aquele que dias antes me abraçara apertado,
E me prometera novos sonhos e uma vida plena só para nós dois.
Imagens, vozes e sons desconexos, era tudo que havia restado
Daquele que um dia fora príncipe do paraíso que construímos juntos.

Escrita por Carmen Mattos

 

 

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