Queria poder escrever tudo que se passa comigo neste instante, mas meus pensamentos confusos não conseguem se transformar em palavras.
Num redemoinho de lembranças, tudo roda e perco-me na intenção de entender.
Lembro da minha infância e tanto teria para escrever sobre ela; lembro-me da adolescência perdida no objetivo de ser; lembro-me das filhas, das decepções de hoje e de outrora; lembro-me da ausência de bem querer.
Qual destas lembranças me aflige neste momento?
Passado distante, passado recente, presente ou futuro? Queria escrever sobre a aflição que me aperta o peito, mas sequer consigo identifica-lo e então como descreve-lo escrevendo-o?
Talvez pegar o carro e sair sem rumo, mas de que adiantaria?
Uma hora terei que parar e na volta inevitável mil explicações do inexplicável.
Essa angústia faz com que o tempo pare e o tic tac do relógio seja na verdade as batidas do meu coração.
Mas como poderia, se meu coração bate acelerado e o relógio é tão lento?
Quem sabe eu esteja trocando os sons, e seja o tic tac do relógio mesmo, e meu coração de tão triste, tenha se calado e eu não o possa ouvir.
Sim, acho que é isso mesmo.
Calo-me, não por não ter o que falar, mas sim por ter muitas coisas encobertas na vazão do meu querer, e sem poder liberta-las, acorrento-as no meu silêncio.
Falar é não ser ouvido.
Ninguém quer entender coisas que de tão velhas e banais perderam a razão para serem ouvidas.
O tempo é precioso e não pode ser gasto com mofos e bolores de passado, tão passado que nem mais passado é. Quanto disso tudo é verdade e quanto disso tudo é drama, como diz minha filha?
Será que minhas lágrimas fazem parte do passado ou do drama?
Será que tanto chorei e me escondi de mim mesma, por teatro demodé?
Se tudo é falso, também eu sou falsa e estou perdida nesse tempo de coisas reais.
Talvez nem exista.
Talvez seja somente parte de um pensamento de alguém que, neste momento, não sabe que eu também sou parte dela.
Talvez esta pessoa nem tenha angústias e neste caso as minhas angústias também seriam fantasias da fantasia dela.
E se eu não for eu e sim uma idéia tão somente?
E se tudo não passar de atos e fatos que giram num redemoínho de pensamentos, como as coisas que sinto girar na minha cabeça?
Se assim for, não preciso pegar o carro e sair a esmo, não preciso escrever sobre minhas angústias pois elas são o pó que permite ao redemoinho existir e portanto precisam estar aqui para que tudo não se termine e o ciclo se mantenha.
Por que seria importante manter o ciclo?
Talvez se a angústia ceder, o redemoinho parar, as coisas que estão contidas nele caiam e se quebrem na queda.
E que coisas seriam estas?
Quebra-las, quebraria um ciclo ou quebraria o todo?
E se o todo for o próprio redemoinho, e este o ciclo, e o ciclo a angústia, e a angústia os pensamentos, e os pensamentos o passado, e o passado o mofo, e o mofo o drama?
A vida seria o mofo do drama e por ser drama nunca existiu, e nunca tendo existido não poderia ter mofo, que é a vida em sua forma velha, gasta, perdida,e envelhecida.
É!
Meus pensamentos não existem e por isso não consigo falar sobre eles.
Não estão acorrentados no meu silêncio como pensava, é o meu calar que prende o meu silêncio.
Assim quieta, não haverá quem conheça o meu drama e poderá viver o seu próprio drama, sem que eu possa interferir no seu sonho de ator da sua própria vida.
Carmen Mattos
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