sábado, 29 de novembro de 2014

Outra vez




Hoje não tenho com quem falar e vou te usar como meu silencioso e compreensivo ouvinte. Aliás, acho que nunca tive com quem falar. Todas minhas angústias, medos, tristezas e aflições sempre foram compartilhadas com a morna água do chuveiro. Sem uma palavra, ela me abraçava misturando se as minhas lágrimas num processo que não sei se aumentava meu pranto ou se o diluía enquanto desciam pelo meu corpo nu em direção ralo. Hoje, mais uma vez vi a materialização da minha dor se encontrar, silenciosamente com sua velha companheira e vagarosamente ser expulsa pelos minúsculos buracos plásticos do chão no Box. Não foi diferente do que ocorria anos atrás quando tinha mil decisões a tomar sobre o futuro das meninas. Como Salomão, eu era a ordem, o deus, o poder. E para exercer tamanha força somente com a sabedoria que só a dor e o medo ensinam. Hoje a dor doeu muito. Foi diferente no seu sentir, mas não no seu doer. Já na rua sentia as chagas me destruindo alma, corpo, dignidade, orgulho, pudor, luz e sombra. Procurava um lugar para me esconder, mas tudo estava aberto. As pessoas olhavam discretamente, minhas mãos que subiam aos olhos e secavam a dor que teimava em se fazer sentir.

(Escrita por Carmen Mattos)

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