quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A carta


Ela, incrédula, olhava o envelope em suas mãos.
Tão fora de moda receber cartas!
Sentou-se na poltrona e ficou a alisar aquele papel.
Não sabia o que pensar,
Mil coisas lhe surgiam e logo fugiam.
Abrir e ler, ou rasgar deixando só a imaginação saber
Virava-a de um lado para o outro.
Como cara ou coroa
Ora via seu nome, ora via o outro.
Suas pernas já adormecidas pelo tempo ali sentada
Fizeram-lhe acordar daquele estado catatônico.
Ergue-a contra a luz que vinha da janela
Certificando-se que havia só um pedaço de papel.
Nada além de um pedaço de papel
Com alguns rabiscos em forma de letras.
Vagarosamente, rasgou a lateral
E, ainda em dúvida, não sabia o que fazer.
Ainda havia tempo para picá-la e jogar no lixo.
Ainda havia tempo para deixá-la esquecida ao lado
Ainda havia tempo para desvendar o desconhecido.
Enfim, encheu-se de coragem e retirou as folhas
Eram duas. Não manuscritas.
Que paradoxo, mandar carta, escrita no computador!
Deu vontade de rir, mas pareceria irônico de sua parte.
As folhas cuidadosamente dobradas em três,
Foram abertas e olhadas sem que visse as palavras.
Deitou-as em seu colo,
Jogou a cabeça para trás
Reviveu tempos já esquecidos
Turvou seus olhos impedindo todo tipo de lembrança.
Depois se lembrou da promessa que fizera a si mesma:
De nunca mais permitir-se ser magoada.
De nunca mais deixar de lutar com garra
Pelas suas verdades, suas convicções.
Ergueu a carta e começou a lê-la.
Era um desabafo.
Tanto ódio, tanto rancor, tantas mentiras
Por que havia perdido tempo para escrever-lhe aquilo?
Deu-lhe pena!
Alguém há quilômetros de distância,
Perdera, talvez horas, para escrever-lhe
Coisas ignóbeis, coisas cheias de maledicências.
Seria uma necessidade visceral de atingi-la?
Uma necessidade de livrar-se do mal que lhe envolvia
Desde o dia em que a humilhou, maltratou, magoou
Sem que nenhum motivo real houvesse.
Seria essa culpa que lhe fizera ditar aquelas palavras?
Teve piedade, onde um dia houvera amor.
Já não a atingia mais.
Enquanto ele vivia o inferno do remorso
Ela, agora, vivia a luz da paz de espírito.
Não se culpava mais, não procurava erros não cometidos,
Por muito tempo chorou a injustiça sofrida.
As mentiras ditas e repetidas.
A dor, de tantos anos de verdades virarem pó.
A necessidade, invejosa, de destruí-la.
Passou por tudo isso.
Caiu e levantou-se inúmeras vezes.
Soltou gritos assustadores, em completo silencio.
Brigou com Deus.
Amaldiçoou.
Passeava entre a raiva e a ira.
Mas tudo já passara.
Fora feliz.
Fora invejada.
Fora injuriada.
Fora massacrada.
Mas tudo, fora.
Assim essa carta inesperada,
Só lhe lembrava que vencera.
Quem a lhe escrevera ainda sentia a necessidade de feri-la.
Mas já não era capaz.
Perdera toda a sua força
No momento em que duvidara
Do seu amor, seu companheirismo
Das suas verdades, para crer em outras verdades
Que na verdade, não eram verdades.
Assim como uma bola de ar
Explodiu com a agulha da ingratidão.
E nunca mais poderia encher-se de ar.
Com pesar, amassou as folhas
Levantou-se da poltrona
E jogou a no lixo, junto com outros restos.

Carmen Mattos

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Você sabe?



Você sabe quantas vezes a fizestes chorar nos últimos dias?
Não, nem eu.
Porque ela guarda as lágrimas no peito escondidas para que ninguém a veja sofrer tanto.
Você sabe quantas vezes a fizestes se sentir traída nos últimos tempos?
Não, nem eu.
As poucas vezes em que falou da sua traição a fez com tom ameno, quase angelical.
Você sabe quantos segredos seus ela guarda do mundo?
Não, nem eu.
Porque foram tão poucos que ela compartilhou que já perdi as contas do quanto a questionei sobre isso.
Você sabe a dor que ela carrega com ela?
Não, nem eu.
Porque ela se faz de forte perante o mundo com medo de mais uma rasteira como aquela em que ela foi golpeada por você.
Você sabe a dor de perder um filho?
Não, nem eu.
Mas ela sabe e chora lentamente a sua morte em vida.
Você sabe o motivo das cobras pelo caminho em que ela pisa?
É a sua imagem refletida naquilo tudo que você significou a ela e que lentamente a fez desmoronar e despedaçou a vida dela em pedaços tão miúdos que jamais poderias contar.
Você sabe por que te vejo hoje assim?
Porque não satisfeita com a vida miserável que tinhas, destruíste a vida da sua mãe de coração, aquela que lhe deu abrigo e trouxe você ao mundo sufocando o seu pranto todas as vezes em que precisasses.
Mesmo não vendo todas as lágrimas, todas as feridas e as manchas de sangue deixadas pela caminho, achas que tens razão quando dizes que é certo roubar a vida que não lhe pertence.
Você sabe o que ganhou com isso?
Não, ainda não podes compreender a dor de perder um filho e tampouco a dor de perder uma mãe que nunca foi sua.
Mas justamente por ser a minha eu lhe digo:
“Você sabe exatamente aquilo que fez e nenhuma crença ou nenhuma oração durante as noites mal dormidas poderão lavar as manchas de sangue de suas mãos”.
E por mais lágrimas que ela derrame em virtude de seu egoísmo e narcisismo, jamais reconquistarás a única mãe que lhe quis e que sempre lhe abrigou.
E isso, minha cara, não há perdão no mundo que lhe devolva e continuarás a sempre caminhar no vazio que te transborda, imitando exatamente a mãe que é sua e que nunca lhe quis.

Jogo da vida



Ela caminhava pela areia molhada
Vez por outra, um onda vinha beijar-lhe os pés.
O vento frio, do fim de tarde,
Atravessa-lhe as roupas e esvoaçava seus cabelos.
As lágrimas mal saiam dos olhos e já eram secas.
Fazia um mês!
Tão pouco tempo para poder abrigar tanta dor.
Como cabia tudo em seu coração?
Ainda lembrava-se das telhas voando pelo céu.
As paredes ruindo sobre si.
Tudo se acabando em entulhos de traição.
Agachada, protegendo a cabeça,
Ainda podia vê-los altivos, em pé, rindo-se dela.
Podia ouvi-los.
Podia senti-los.
Só não podia perdoa-los.
Outra onda, outra lembrança, um sorriso.
Como fora tola!
Agora, caminhava sozinha pela areia macia.
Sozinha, com seus pensamentos desordenados.
Só um mês!
Só três vidas!
Só um lar levado pelo vento.
Só um que o pranteava.
Porque só um restara.
Ergueu o rosto e se deixou lavar pelo vento.
Seus pés molhados iam deixando rastros.
Rastros de destruição, rastros de recomeço.
Reviu as imagens gravadas em seus olhos
E desejou não ter caído como os tijolos
Desejou ter erguido-se o mais alto possivel
E arrogantemente, lançar-lhes todo seu desprezo.
Mas não o fizera.
Nunca imaginara, que enquanto dormia,
Estavam destruindo a estrutura do seu abrigo.
Não cria que fossem tão ignóbeis.
Mas tudo passa.
Ela ainda pode andar descalça pela areia molhada.
Ela ainda pode sentir o cheiro da maresia.
Ela ainda pode sentir o vento em seu rosto,
Mesmo que este esteja mais melancólico.
Ela ainda pode deitar-se, olhar para o teto,
E pensar: Sou feliz porque nada fiz, a ninguém magoei,
Não fui traiçoeira, sequer invejei a felicidade alheia.
Tenho o que mereço: a paz da minh’alma.
Ela sabe que suas lágrimas não diminuirão
O doce sal do mar.
E enquanto anda a esmo,
Sente os beijos das ondas
A lhe acariciar a pele.
Sobreviveu a tantas maleficências.
Superou todas, e assim vitoriosa,
Caminha enxugando as lágrimas
De mais esta perda de pessoas
A quem muito amou
Iludindo-se do amor correspondido.
A vida é um jogo difícil, ela pensa,
Perder é inevitável.
Mas só se sabe quem perdeu
Na última rodada.

Carmen Mattos

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Abstrato

Sem versos, prosas, poesias...
Sem aquela magia de dizer não dizendo, quase sem querer, as formas lúcidas que navegam sobre o papel.
Sem aceitar o mesmo.
Tempos de mudanças, pedem mudanças.
Quando ciclos têm seu fim e aquela bagunça do término te faz questionar quando a casa ficará em ordem novamente.
Talvez em um dia, quem sabe em um mês...
A perspectiva acompanha os passos daqueles que não andam, mas rumam em busca da felicidade.
Porque no fim das contas, é o que todo mundo busca: a felicidade.
Em doses pequenas ou em uma overdose de sabor doce, com gosto de chuva em uma manhã de verão.
Em frascos miúdos, escondida no decorrer das horas que embalam o dia ou em demasia, fazendo transbordar todo o brilho de vida que reside em ti.
E assim, sem querer rimar, divago sobre assuntos vazios, mas que com eles carregam toda a profundidade daquele que entende.
E essas palavras foram jogadas no papel para ti.
Sem versos, prosas ou poesias...
Apenas pensamentos soltos em palavras enigmáticas que navegam em toda a imensidão de nossa existência.
Ou quem sabe somente da tua existência...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Virando páginas


Com olhar vazio e sem vida,
Ela levanta e pega um livro na prateleira.
Pega a esmo. Sem escolher.
Volta a sua poltrona e meio sem vontade
Começa a folheá-lo.
Para sua surpresa, vê passagens da sua vida
Como um diário de tudo que foi.
São folhas grossas, pesadas, prensadas.
Algumas escritas a caneta,
Outras com sangue
E muitas delas com lágrimas.
Queria poder apagar algumas passagens,
Por vezes, um capítulo todo.
Mas as folhas absorveram tudo,
Não há nada que possa ser modificado.
Assim pouco a pouco,
Meio sem querer,
Foi lhe sendo revelado
Todo o passado.
Passado não desconhecido,
Passado nunca esquecido.
Queria virar as páginas.
Tornando-as em branco novamente.
Mas o destino não quis,
Que ela vivesse somente
O presente, esquecendo-se
Dos tempos idos.
Ah, se lhe fosse dado
A ventura de escrever
Sempre a lápis,
Podendo tudo apagar
Com a borracha do agora.
Como é bom não ter o ontem
A atrapalhar o hoje.
Ousaria mais,
Choraria menos.
Pois teria a certeza,
Que era só virar a página
E uma nova vida iniciaria
Sem pecados,
Sem remorsos,
Sem culpas.
Uma página em branco,
Todos os dias,
Por toda a vida.
Não veria suas lágrimas,
Nem as lágrimas que causou.
Viveria eternamente
Com livros não escritos.
Com livros de folhas finas
Tão fáceis de virar.

Carmen Mattos

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O vazio não me cai bem



As coisas acontecem como devem ser.
Talvez neste momento em que as feridas continuam abertas não tenhamos mais nada a dizer.
As palavras ferozes apenas causariam mais dor.
É hora de recomeçar.
Sem procurar culpados ou imaginar um passado diferente daquele que tivemos.
Tudo gira exatamente na proporção do Universo.
Acredito em tuas palavras quando dizes que fizestes tudo com um propósito maior.
Mas este propósito não me serve.
Não me serve mais...
Eu investi minhas fichas neste jogo e perdi.
Agora sufocada por tudo o que não era para ser, sinto o teu perfume no ar.
E pela primeira vez ele não me faz pensar em ti e nos momentos bons que vivemos.
Momentos que se contam nos dedos de uma mão, que neste momento de reflexão sangram quando não a segurastes quando mais precisei.
Eu precisava de uma palavra doce ou uma demonstração de que tudo ficaria bem e você, absorvido com tudo aquilo que te rodeava, dentre tantas dúvidas, não pode me fazer ouvir.
Assim, quase sem querer nos afastamos, se é que algum dia você me deixou chegar perto de ti.
Não poderia mudar o passado e lavar as lágrimas que rolam em meu corpo vazio, por isto nem tento.
Já tentei tanto em vão que simplesmente desisti.
Desisti porque quando eu mais precisei e esperava tua mão junto a minha, encontrei o vazio.
E como eu já te disse uma vez, o vazio me incomoda.
Ele sempre me incomodou...

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Restos




Como um mendigo vivendo de restos.
Era assim que ela se sentia sobre tudo o que aconteceu...
Magoá-la parecia parte do cotidiano daquele ao qual ela havia dado tanto de si.
Bolava planos mágicos em sua cabeça, tentando tirá-lo da areia movediça que o consumia enquanto ele simplesmente não se importava.
E ela se importava.
E como se importava...
Talvez o fato de se importar demais tenha sido a parte mais difícil de lidar naquele momento em que esperava que ele fosse enxergar aquilo tudo que existia dentro dela.
As lágrimas rolaram seu rosto em uma mistura amarga de desilusão e decepção.
Pensando onde havia errado para que o melhor de si fosse dado enquanto ele achava que nada havia sido feito até então.
A indiferença que o consumia e as palavras ferozes ditas em um tom alegre sobre a conduta correta que achava que tinha adotado, deixavam-na incrédula dentre tantos arrependimentos.
Mas sabia que ali não era seu lugar.
Na verdade nunca o foi, já que ele nunca havia deixado espaço para que ela se abrigasse entre seus braços.
Sabendo que não havia um lugar para si, faltou-lhe o ar por quase um segundo.
E enquanto amargava a falta de existência que habitou seu corpo tão sem vida, seu coração voltou a pulsar como jamais antes.
Na esperança de dias melhores e de alguém que, quem sabe, um dia, possa reconhecer todo o valor que existe dentro dela e que simplesmente se importe.
Que se importe não consigo mesmo, mas com tudo o que poderiam viver juntos um dia.
Junto ao coração dela que de tanta vida, poderia abrigar o mundo dentro de si...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015




E assim, aos poucos, sem saberes, fostes me perdendo, de mansinho.
Com passos leves, deixei-me ir, enquanto decidias se ficavas ou partias.
E assim, quase de repente, viste-me esvaindo entre teus dedos que durante muito tempo segurei para que não caísses.
E tudo, de tão lento, passou rente aos teus olhos.
Até que finalmente me perdestes.
Sem explicações ou qualquer palavra sussurada ao ouvido.

Apenas ajeitei minha roupa, peguei o resto que havias deixado e segui sem direção...

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Opções


Sinto-me mais leve.
Sem me importar muito com o que virá.
Sinto-me mais breve.
Sem me importar muito de como será.
Sinto-me liberta.
Sem me importar se sei ou não voar.
Sinto-me desperta.
Sem me importar se sei ou não voltar.
Sinto-me em paz.
Sem me importar com o que pensas de mim.
Sinto-me capaz.
Sem me importar como me vês assim.
Sinto-me gloriosa.
Sem me importar de como será meu futuro.
Sinto-me vitoriosa.
Sem me importar se haverá um lugar seguro.
Sinto-me piedosa.
Sem me importar se é falso teu penar.
Sinto-me orgulhosa.
Sem me importar com tua mão a me acenar.
Sinto-me verdadeira.
Sem me importar em provar nada.
Sinto-me derradeira.
Sem me importar com a nova saga.
Sinto... sinto... sinto...
Sinto pena de ti.

Carmen Mattos

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Espinhos


Quando tudo parece estar indo bem, seguindo o fluxo normal das coisas, eis que a vida te esbofeteia a cara e te faz enxergar a realidade que parece tão dura.
A dúvida entre ficar e desistir já passou pela tua cabeça diversas vezes que a tontura que te causou já não te deixa pensar de forma a controlar teus passos.
Há tanta coisa por aí, tanto a ser vivido, e insistes em te amarrar naquilo que não te faz bem.
Mas a cegueira é inimiga da felicidade e ainda não percebestes isto.
Tudo está a um passo de ruir e já não sabes em quem confiar e tampouco qual o caminho seguro a seguir.
A segurança sempre te caiu bem e sempre te atraiu.
Procuras uma saída qualquer deste labirinto de espinhos e te perdes em ti mesmo, lamentando o momento em que te perdestes ali.
Fugir, então, já deixou de ser uma opção, quando a verdade te é lançada rente ao peito. 
Já não choras e não lamentas ter sido enganado de forma tão mesquinha, vazia e fútil.
Já não sabes quem tu és...
E assim, sem saber como fugir de tantos espinhos, escolhes-te dentro de ti mesmo, esperando uma mão que te socorra e que te tire dali.
De uma vez por todas, arrancando todos os espinhos que perfuraram a tua pele enquanto esperavas fugir sozinho...


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