Sentada na
poltrona da varanda, olho nos teus olhos.
Estupefata,
ouço o que me dizes, mas nada escuto.
Sequer te
vejo de verdade, é somente um vulto.
Vejo chuva
de pedras na noite fria e escura,
Tremendo de
frio, ergo o sombrite já quase ao chão,
Para que as
pedras escorram para fora sem causar danos.
Todos os
faisões foram salvos e exausta banho-me com água quente.
Vejo um
lindo tamanduá Bandeira em frente à porta da horta,
A luz da
lanterna a ilumina-lo para que possas fotografa-lo.
Subitamente,
ele avança ferozmente rasgando-me roupa e perna.
Vejo minhas
mãos em carne viva a amarrar telas para novos viveiros.
Feridas,
dolorosas e ensanguentadas, vitimas da árdua tarefa.
Vejo chuva,
frio, escuridão e eu a te procurar, perdido na água.
Depois de
horas, já de madrugada, encontra-lo e aquece-lo.
Trazer-lhe
roupas secas, agasalha-lo e preparar uma comida.
Vejo seu
grito desesperado e seu pranto comovente,
Ao
deparar-se com nossa cadela morta subitamente.
Vejo a noite
fria e chuvosa e eu a te ajudar a carrega-la,
Cavar sua
sepultura e contigo preparar sua última estada.
Abraçar-te
com força, acariciar teus cabelos e beijar tuas lágrimas.
Vejo-te
caído ao chão, inerte, como se morto estivesse,
E no meu
desespero correr ao teu encontro e ampara-lo.
Vejo lençóis
brancos do hospital a envolver teu corpo.
Tua
respiração parar, teus lábios roxos e teus olhos opacos.
Eu a correr
pelo corredor silencioso a gritar por socorro.
A sirene da
ambulância ensurdecedora a abrir caminhos,
A felicidade
de tê-lo de volta a nossa casa são e salvo.
Vejo meu
corpo sendo sacudido por mordidas ferozes,
Enquanto
cobria o pequeno corpo do nosso bebê, a protegê-lo.
E a
felicidade de tê-lo aninhado em meu peito deixando para mim,
Todo o
martírio que lhe dirigiam de forma mortal.
Vejo meu
corpo na água fria a empurrar a lancha estragada,
E as
gargalhadas que essa imagem esdruxula nos trouxe.
Vejo as
pessoas te rejeitarem e fugirem da tua presença.
Enquanto eu,
pouco a pouco, lhes convencia que eras bom.
Vejo tua
cara sempre sisuda a aprender a sorrir.
Vejo a
polícia chegar a nossa casa de forma justa e correta,
E tu a
receberes com maus tratos e soberba como se certo estivesse.
Eu a
olhar-te em sinal de desaprovação, convida-los a sentar,
Oferecer-lhes
um refrigerante no quente 24 de dezembro.
E desde
então eles o respeitaram e te fizeram de referencia.
Vejo me
pedires para escrever lisonjas como se tu as fizesses.
Vejo me
quereres um nome para teu blog, pois não sabias faze-lo.
Vejo o
abraço apertado do último fim de ano, o que me prometeste.
Vejo outra
perda, mais cruel e dolorosa, nosso pranto mais intenso.
Quando nosso
menino, depois de dias de padecimento, morrer.
Novamente
era eu que estava ao teu lado, morta por dentro a te dar vida.
Vejo tantas
e tantas coisas, mas meu olhar esta no vulto a minha frente,
A dizer
coisas que não faziam sentido, a me humilhar e ultrajar.
Condenar sem
julgamento. Jogar-me na fogueira como bruxa,
Do satânico
período da inquisição, quando todas eram culpadas.
Culpadas sem
crime, culpadas sem defesa, culpadas de culpas alheias.
Não
pronunciei uma palavra, nenhuma lágrima verteu de meus olhos.
Desviei meus
olhos dos teus e olhei a volta. Eu estava em toda a parte.
Voltei a te
olhar e vi um vazio tão grande que ocupava todo o espaço.
Quem era
aquele homem a minha frente? Não havia ninguém.
Sua boca se
mexia, mas não eram suas aquelas palavras.
Então
continuei a olha-lo para ver se o reconhecia de alguma forma.
Mas nada o
remetia aquele que dias antes me abraçara apertado,
E me prometera
novos sonhos e uma vida plena só para nós dois.
Imagens,
vozes e sons desconexos, era tudo que havia restado
Daquele que
um dia fora príncipe do paraíso que construímos juntos.
Escrita por Carmen Mattos