domingo, 26 de julho de 2015

LAMENTO


O silencio era total, o vento balançava as cortinas.
Eu embalava-me na poltrona a espera do nada.
Olhava a minha volta e só via paredes nuas, vazias.
O telefone mudo me ensurdecia na sua ausência.
Ria-me do imaginário tapete vermelho estendido.
Via as pedras reais que envolviam tudo ao meu redor.
Não houve almoço, abraços ou qualquer gesto de amor.
E vi, não sem lágrimas, que passei pelo mundo de relance.
Trabalhei noites insones, cansaço até a exaustão.
Amei, noites de preocupação, querendo dar o melhor.
Chorei noites de angústia, preocupando-me com o incerto.
Sorri noites de tranquilidade, com as suas vitórias.
Morri noites de solidão, sem ter quem me desse colo.
Perdi, noites de desespero, sem nunca saber o porquê.
Cansei noites de desamparo, sem conseguir entender.
Parei noites de abandono, na espera de olhos abertos.
Vivo, noites sem fim, porque é só o que sei fazer.
É só mais um dia, entre tantos, em que olho o horizonte.
Não o que está diante de mim e sim o que está às costas.
E vejo que não posso me desculpar, pois fiz o melhor que sabia.
E o fiz sozinha, sem que se importassem com o peso do fardo.
E se acertei ou errei, assumo toda a responsabilidade disso,
Porque nunca tive ninguém para dividir as responsabilidades.
Era eu e suas vidas em minhas mãos, sem ajuda alguma.
No meu silencio total, com as cortinas a balançar pelo vento.
Sinto piedade de mim, mas muito mais do vazio das suas vidas.
Se choro, se lamento, se me dói, é porque estou cheia de amor.
Pode ser mais sofrido, mas nada é tão ruim como ser um vácuo,
Vivendo a hipocrisia de se sentir uma ilha de falsas verdades.



DESCONHECIDA



Você não foi o primeiro homem da minha vida.
Você foi somente o mais cruel e vil da minha vida.
Como um ladrão, você chegou de forma dissimulada,
E com cuidado, foi roubando tudo que havia em mim.
Com um largo sorriso, me roubaste a música da alma.
Tiraste todo o som que havia em mim, minha alegria.
Eu não me importei e fiz de você a minha canção.
Depois, entre um beijo e outro, me tiraste os sonhos.
Eu não me importei e sonhei os seus sonhos.
Aos poucos você foi dilapidando-me de mim mesma.
Perdi minha sombra para ser a sua sombra.
Com voz mansa e verdades só suas, convencias-me.
Assim despida de mim, deixei de reconhecer-me.
Olhava-me no espelho e o reflexo era amorfo.
Agora, separada daquela que fora um dia,
Via meus pedaços jogados, displicentemente.
Via seus pés a pisar-me, suas mãos amassarem-me.
Olhava nacos de mim e sem importar-se, descartava.
Soberba e prepotência eram minhas únicas companhias,
Com seu olhar sarcástico e dolorosamente irônico,
Fazia com que eu acreditasse ser minha a sua culpa.
Hipnotizada por um amor onírico, tentava melhorar.
A cada tentativa, ouvia sua risada a ferir-me como um punhal.
Enroscada na sua teia de finos fios de aço, sufocava-me.
E tinha a esperança de que se compadecesse de mim.
De ver, novamente, aquele olhar, simuladamente, meigo,
Que fez com eu me apaixonasse, em troca de simples afeto.
Só queria que segurasse minha mão, um olhar de ternura,
Palavras meigas e deixar-me inteira como outrora.
Mas você negou, não quis me dar pequenos gestos.
Sozinha, apagada, enfraquecida, deixei de lutar.
Deixei de enfeitar-me, os perfumes envelheciam.
As roupas não saiam do armário e sapatos emboloravam.
Cativa de um amor doentio escondi-me dentro de mim.
Por não reconhecer aquela que, sem censura, o espelho refletia.





quarta-feira, 22 de julho de 2015

TEUS OLHOS



Sentada na areia fria, observa o movimento das ondas.
O ritmo orquestra a cadência dos seus pensamentos.
Embala a solidão, latente, de não tê-lo mais ao seu lado.
Brinca com a areia fina, deixando-a escorrer entre seus dedos.
Como se o estivesse acariciando, mansamente, com suas mãos.
Está ali tempo demais, tempo demais para um amor perdido.
Quem sabe a espera que ele surja por trás e a surpreenda,
Com um enlace caloroso que por fim, aquiete sua alma.
O vento despenteia seus cabelos e racha seus lábios gelados.
Mas já nada importa, já nada a incomoda, vive a dor maior.
Nada pode ser pior que o olhar que ele lhe lançou no adeus.
Não havia nada dentro deles, nem paixão ou compaixão.
Era de uma frieza tamanha que a petrificou instantaneamente.
E ela, atônita, olhou-o com doçura e declarou todo seu amor.
Ele retrucou com sarcasmo que não a queria mais e riu-se.
Aquietada viu todo seu mundo ruir e faltar-lhe o chão, o ar.
Aquietada, o viu levantar-se num sinal de assunto encerrado.
Aquietada, ficou por mais um tempo imóvel no seu penar.
Como agora se encontrava, ouvindo os conselhos do mar.
E então, compreendeu tudo e um abismo se formou entre eles.
Como no paraíso, e no paraíso estavam, fora seduzido pela cobra.
De forma maléfica, astuciosa e sedutora, ela lhe empeçonhentou.
Sem qualquer objetivo, sem qualquer querer, só por brincadeira.
Rastejou sobre seu corpo com doces e maliciosas palavras vãs.
Nada dele lhe importava, era a sua felicidade que ela invejava.
Numa vida medíocre, sem sentido e sem amor, cobiçava a dele.
E foi destruindo tantos amores quanto podia, e foram muitos.
Tanto que já não os podia contar, destruiu tudo a sua volta.
Deixando-a só, no seu eterno luto de perdas inimagináveis.
E ela o tinha como seu deus, seu ídolo e ele fora tão ingênuo.
Agora sentada na areia fria, via na espuma das ondas gélidas,
O mesmo olhar ausente que, um dia, a fez morrer mil vezes.
Ergueu seu olhar para o céu e pediu que levasse seu amor.
Esse amor incompreensível que ainda a perseguia dia e noite.
Tornando-a uma sombra sem sentido de seu padecer inútil.
Já cansada de tanto esperar por aquele que nunca não viria,
Levantou-se e foi para casa, sonhar com ele mais uma vez.



terça-feira, 21 de julho de 2015

ESTRANHOS



Assim que terminavam de almoçar,
Eles iam sentar-se na varanda,
Enquanto as mulheres cuidavam da lida de tudo arrumar
E preparar as quitandas, para o lanche da tarde.
Sentavam-se lado a lado, num penoso silencio.
O velho resmungava: acho que vai chover.
E o mais novo balançava a cabeça em concordância.
O tempo passava tão vagarosamente que chegava a doer.
Eles tinham tanto a se dizer, mas calavam-se.
O mais velho pensava: quando perdi meu filho?
O mais novo mexia incessantemente com as mãos.
Olhava o relógio e parecia que os ponteiros haviam parado.
Essa angústia de ficar ali, sem ter o que dizer, o oprimia.
O velho o olhava, de soslaio, e via o seu desespero.
Por que te incomodo tanto? Eu te amo, meu filho.
Seu coração gritava sem que o outro ouvisse.
Balançava as pernas, olhava para o teto descascado,
E não via o tempo passar, para seu desespero.
O velho olhava suas próprias mãos enrugadas,
E via em cada ruga um dia de trabalho árduo,
Que permitiram que o outro estivesse onde estava.
Tinha tanto orgulho! Falava para os amigos sobre ele.
Mas quando ali estava uma barreira se formava
E nada conseguia derruba-la.
O jovem achava que a ignorância do pai, nada entenderia.
O pai acreditava que o filho se envergonhava de seu jeito rude.
Assim ficavam tardes e tardes, fingindo estarem juntos.
Sem sequer se tocarem ou se olharem.
Era um seco abraço na chegada e outro na partida.
E quando ele ia embora, o velho corria a contar para os amigos,
Conversas que sonhara poder ter tido, como se fossem verdades.
Coisas que ouvira de outras conversas com outras pessoas.
E era puro orgulho. Enchia o peito e por vezes secava uma lágrima
Que teimava em surgir, não sei bem se de tristeza ou emoção.
Finalmente chegava a hora do café e o martírio tinha um fim.
Passados alguns dias ele partia, sentindo-se livre dessa obrigação.
Agora só no próximo ano. E esse pensamento dava um amargo na boca.
Em pé, diante do caixão do seu velho pai, tocava-lhe as mãos.
Via como eram duras, cheias de calos, envelhecidas e frias.
Chorava e lamentava nunca ter-lhe dito que o amava.
Lembrava-se das tardes longas de silêncios mortais que passaram juntos.
Sentia a aspereza das mãos que o fizeram ser quem era.
E os olhos fechados da morte, não podiam reprovar lhe.
Tanto amor desprezado, tanta mágoa infringida.
E nada mais poderia fazer. O tempo passara rápido demais.
O velho partira solitário do seu carinho, para nunca mais voltar.
E ele ali parado, via os anos de abandono que lhe impusera.
Tocou-lhe o rosto, beijou-lhe a testa e deixou que a dor do pai,
Atravessasse seu corpo como uma espada, na vã tentativa de redimir-se.
Esquecendo-se que as feridas provocadas nunca cicatrizam,
Nem mesmo na morte em vida em que estava.


Cicatrizes



Acordou em um relance do que havia presenciado em seus sonhos.
Seus pés não conseguiam se mexer. Estava paralisada, perplexa.
Atordoada com tudo aquilo que a rodeava.
Não se reconhecia nesta vida que vivia, mas já não tinha escolhas.
O contentamento de ser amada abriu vazão para a tristeza de ser traída.
Tudo tão repentino que os olhos mal conseguiam acompanhar toda a sucessão de fatos.
Fatos estes que a haviam trazido até aqui.
Acordava todos os dias
Tentando adormecer.
Acreditava que tudo não passasse de um sonho ruim.
Quisera acreditar que estava louca
Cega
Confusa...
Mas já não poderia se enganar nesta proporção,
A realidade doía 
Como jamais havia sido ferida.
E ela percebeu que acordou no relance de tudo aquilo que havia vivido. 
Que tudo aquilo não lhe eram os sonhos negados
Mas o risco do passado que tanto a machucou
E que jamais cicatrizará

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Dias de paz


Um sentimento além do tempo
Além da imaginação
Que se sobressai a tudo aquilo que vivemos.
Uma nova era 
Formada de grandes círculos
Corações à deriva 
Na promessa de dias de paz.
Uma cultura chamada esperança 
Onde,
No toca discos do carro,
A melodia suave encanta o ambiente
E exala o perfume da bondade
Esta que persegue seu corpo que até então era vazio.
A maldade,
Pouco a pouco,
Vai sendo desmascarada
E a justiça prevalece
Abrigando todos aqueles que lutam
E pagam pela desonestidade.
Vivemos uma nova era.
Viemos de um mundo em colapso.
Construímos uma nova realidade.
E assim,
Nossa alma passou a existir
E os dias bons passaram a ser rotina.
Talvez seja a esperança cega 
Que me faz ver os dias assim
Tão de paz e já sem guerra.
Mas enquanto encaro a vida assim
Ainda encontro motivos para sonhar,
E sorrir
E viver,
Não só existir...

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Aos Homens




Se tu tens uma mulher e queres tê-la para sempre,
Nunca se esqueça de rega-la com pequenos gestos.
Todas as mulheres são iguais, todas são flores.
Elas podem ser diferentes no seu exterior, e só.
Por dentro, elas querem ser amadas e paparicadas.
Se não for assim, elas murcham de um dia para outro.
E quando olhares para a tua amada, não a reconhecerás.
Quando ela voltar do salão elogie, diga como está bonita,
Mesmo que não tenhas notado os 2 dedinhos de cabelo cortado.
Se passares pela rua e vires uma flor, roube-a e lhe dê.
Diga-lhe o quanto está perfumada, mesmo que seja só sabonete.
Dê-lhe abraços apertados sem nenhuma causa aparente.
Roube-lhe um beijo mesmo que ela esteja na cozinha.
Elogie sua aparência, apesar daqueles quilinhos a mais.
O amor é interior, esses quilinhos não farão qualquer diferença.
Se fores criticá-la, faça-o com cuidado e de forma branda.
Escolha as palavras, atenue o tom de voz, não sejas ríspido.
E se ela chorar, seque suas lágrimas e diga que tudo está bem.
Mulher chora e se não for à tua frente, será escondidinho.
Mas na verdade, ela só quer o teu colo e teu consolo.
É da índole da mulher a sensibilidade mesmo quando guerreira.
Faça-a se sentir única, a coisa mais importante da tua vida.
Defenda-a de tudo e de todos, mesmo que sozinhos a repreenda.
Faça-a se sentir protegida ao seu lado, dê-lhe segurança.
Se assim o fizeres, terás uma rainha ao seu lado por toda a vida.
Alguém que segurará tua mão em todos os momentos da tua vida.
Que não notará tua crescente barriguinha, nem as pernas enfraquecidas.
E se, por acaso já mais velho, tuas mãos tremerem, ela o alimentará.
Rezará todos os dias por ti e fará centenas de novenas em teu nome.
Isso tudo tão somente, porque regaste aquela florzinha
E assim a fizeste uma árvore frondosa que te dará sombra enquanto viveres.
Sabes como sei disso tudo? 
Porque não fui regada e murchei.
Quando na verdade, só pedia o carinho que não tive e que me foi negado.
Assim sendo, entre lágrimas, vi meu príncipe voltar a ser sapo.
E a Bela Adormecida dormir por mais cem anos, 
Na solidão do descaso...

Escrita por Carmen Mattos


Espelho Quebrado


Tenho sede do futuro
E de coisas que eu ainda não sei.
Coisas que talvez não entenda.
Tenho o gosto amargo da desilusão
E a brisa dos sonhos leves
Da chuva que passou ferozmente
Deixando em frangalhos o meu passado ruim.
Sinto que este não é o meu lugar
Sinto que o mundo é um espaço vazio
Cheio de opções para colorir o quintal da minha casa.
O que é meu
Talvez não o seja.
Não me pertence este resto de vida refletida no espelho quebrado
Que remonta a parede do meu quarto.
Tanto caminho para seguir
Tanta vontade de crescer
Que já não me permito ser nada
Quando quero ser grande
Quando posso ser tudo!
Lentamente,
Na medida que os pensamentos vis fazem sentido
Trazendo uma explicação para tudo o que me rodeia
A insatisfação toma conta
Quando já percebo que este não é o meu lugar
E que na verdade nunca o foi...

terça-feira, 14 de julho de 2015

Maré de Outono



De tanto quebrar
Nos galhos da árvore da vida
Percebi a imensidão de caminhos que corriam sem fim.
Mergulhei na profundidade do pensamento
E me descobri
Nua dentre tantas devoções ruins.
Vesti-me do sorriso largo
Que brindava o resto do outono
Abraçada dentre seu peito largo
Que escondia toda a dor que habitava a alma.
E nos embalava neste misto de felicidade e exaltação.
Mansa como a maré ruim!
A vida seguia assim,
Naquela manhã cinza de outono.
Enquanto o mundo corria na velocidade do pensamento
A mansidão tornava realidade
Tudo aquilo que era só sonho.
E tudo aquilo que somente nos pertencia!

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Esquecível


Sentada na poltrona da varanda, olho nos teus olhos.
Estupefata, ouço o que me dizes, mas nada escuto.
Sequer te vejo de verdade, é somente um vulto.
Vejo chuva de pedras na noite fria e escura,
Tremendo de frio, ergo o sombrite já quase ao chão,
Para que as pedras escorram para fora sem causar danos.
Todos os faisões foram salvos e exausta banho-me com água quente.
Vejo um lindo tamanduá Bandeira em frente à porta da horta,
A luz da lanterna a ilumina-lo para que possas fotografa-lo.
Subitamente, ele avança ferozmente rasgando-me roupa e perna.
Vejo minhas mãos em carne viva a amarrar telas para novos viveiros.
Feridas, dolorosas e ensanguentadas, vitimas da árdua tarefa.
Vejo chuva, frio, escuridão e eu a te procurar, perdido na água.
Depois de horas, já de madrugada, encontra-lo e aquece-lo.
Trazer-lhe roupas secas, agasalha-lo e preparar uma comida.
Vejo seu grito desesperado e seu pranto comovente,
Ao deparar-se com nossa cadela morta subitamente.
Vejo a noite fria e chuvosa e eu a te ajudar a carrega-la,
Cavar sua sepultura e contigo preparar sua última estada.
Abraçar-te com força, acariciar teus cabelos e beijar tuas lágrimas.
Vejo-te caído ao chão, inerte, como se morto estivesse,
E no meu desespero correr ao teu encontro e ampara-lo.
Vejo lençóis brancos do hospital a envolver teu corpo.
Tua respiração parar, teus lábios roxos e teus olhos opacos.
Eu a correr pelo corredor silencioso a gritar por socorro.
A sirene da ambulância ensurdecedora a abrir caminhos,
A felicidade de tê-lo de volta a nossa casa são e salvo.
Vejo meu corpo sendo sacudido por mordidas ferozes,
Enquanto cobria o pequeno corpo do nosso bebê, a protegê-lo.
E a felicidade de tê-lo aninhado em meu peito deixando para mim,
Todo o martírio que lhe dirigiam de forma mortal.
Vejo meu corpo na água fria a empurrar a lancha estragada,
E as gargalhadas que essa imagem esdruxula nos trouxe.
Vejo as pessoas te rejeitarem e fugirem da tua presença.
Enquanto eu, pouco a pouco, lhes convencia que eras bom.
Vejo tua cara sempre sisuda a aprender a sorrir.
Vejo a polícia chegar a nossa casa de forma justa e correta,
E tu a receberes com maus tratos e soberba como se certo estivesse.
Eu a olhar-te em sinal de desaprovação, convida-los a sentar,
Oferecer-lhes um refrigerante no quente 24 de dezembro.
E desde então eles o respeitaram e te fizeram de referencia.
Vejo me pedires para escrever lisonjas como se tu as fizesses.
Vejo me quereres um nome para teu blog, pois não sabias faze-lo.
Vejo o abraço apertado do último fim de ano, o que me prometeste.
Vejo outra perda, mais cruel e dolorosa, nosso pranto mais intenso.
Quando nosso menino, depois de dias de padecimento, morrer.
Novamente era eu que estava ao teu lado, morta por dentro a te dar vida.
Vejo tantas e tantas coisas, mas meu olhar esta no vulto a minha frente,
A dizer coisas que não faziam sentido, a me humilhar e ultrajar.
Condenar sem julgamento. Jogar-me na fogueira como bruxa,
Do satânico período da inquisição, quando todas eram culpadas.
Culpadas sem crime, culpadas sem defesa, culpadas de culpas alheias.
Não pronunciei uma palavra, nenhuma lágrima verteu de meus olhos.
Desviei meus olhos dos teus e olhei a volta. Eu estava em toda a parte.
Voltei a te olhar e vi um vazio tão grande que ocupava todo o espaço.
Quem era aquele homem a minha frente? Não havia ninguém.
Sua boca se mexia, mas não eram suas aquelas palavras.
Então continuei a olha-lo para ver se o reconhecia de alguma forma.
Mas nada o remetia aquele que dias antes me abraçara apertado,
E me prometera novos sonhos e uma vida plena só para nós dois.
Imagens, vozes e sons desconexos, era tudo que havia restado
Daquele que um dia fora príncipe do paraíso que construímos juntos.

Escrita por Carmen Mattos

 

 

terça-feira, 7 de julho de 2015

A Espera

 
Preparou-se o dia todo para aquela noite.
Pôs toalha de linho na mesa e candelabros.
A melhor porcelana e cristais reluzentes.
Preparou sua comida predileta cuidadosamente.
Vestiu-se como rainha e perfumou-se para ele.
Deu uma última olhada no espelho para conferir.
Tudo estava perfeito. Os talheres de prata brilhavam.
Em pé, encostada no balcão, observava o relógio.
Quando deram 8 horas, acendeu as velas e sorriu.
Logo, ouviria a chave girar na porta e esta se abrir.
Na penumbra, ajeitava uma mecha de cabelo.
O silencio era total, rompido somente pelo tic tac,
Talvez do relógio, quem sabe do seu coração.
Olhava para a porta, olhava para o relógio.
E os minutos foram passando, viraram horas.
Já não se importava com o cabelo caindo-lhe no rosto.
O vestido, escolhido cuidadosamente, se amarrotava.
Espremido entre seu corpo e o balcão.
A maquiagem escorria sobre seu rosto, borrando-o de preto.
O batom vermelho vivo se descolorira nos seus lábios carnudos,
Lentamente sentou-se a mesa, as velas quase apagadas,
Tornavam mais sombria toda a sala e sua vida.
Esticou os braços sobre a imaculada toalha de linho,
Entrelaçou os dedos num abraço ao prato vazio.
Deitou a cabeça sobre tudo e sentiu o fúnebre perfume,
Exalado pelas flores, já murchas, que ornavam a mesa.
Mais uma vez estava sozinha com o tic tac do relógio.
Imaginando-o em outros braços, adormeceu na nostalgia.
Acordou quando amanhecia com vozes vindas de longe.
Um burburinho de vida contrastando com seu luto.
Levantou-se, tirou a roupa e vestiu seu mais belo sorriso.
Fez um rabo de cavalo e começou a limpar a noite esquecida.
A porta se abriu, mas ela nada disse, não fez perguntas.
Ele lhe dava explicações e ela nada ouvia absorta em pensamentos.
Olho-o, sorriu, beijou-o mecanicamente e foi preparar o café.

Escrita por Carmen Mattos



segunda-feira, 6 de julho de 2015

Para Você


Encolhida num canto, pés descalços, corpo em chamas,
Ela ouviu passos se aproximarem e sentiu medo.
O mesmo medo que a perseguia por tanto tempo.
Agarrou sua cabeça por entre as mãos, escondendo-a.
Queria ficar invisível, misturar-se ao papel de parede.
O som ficava mais forte e seu coração mais acelerado.
Não suportaria mais, estava tão fraca e indefesa.
Era um corpo em trapos numa alma em farrapos.
Pensou em Deus, rezou para que tudo acabasse logo.
Tentou chorar, mas seus olhos já não tinham lágrimas.
Pensou em gritar, mas ninguém a ouviria, já sabia.
Só lhe restava esperar, inerte em seu contumaz padecer.
Os passos pararam ao seu lado e de soslaio olhou-o.
Ele ajoelhou-se ao seu lado, tocou de leve seus cabelos.
De forma mansa, tirou sua camisa e a cobriu com leveza.
Ficou uma eternidade, olhando-a como jamais fora olhada.
De forma terna, puxou-a para seu peito, aninhando-a.
Com cuidado foi tocando suas feridas e limpando sua dor.
Agora as lágrimas, já inexistentes, caiam em abundancia.
Com seus lábios, ele sorvia uma a uma, até que nada restasse.
Pela primeira vez, segurou seu rosto e fê-la olhar em seus olhos.
Bem baixinho lhe falou que tudo acabara que ele estava ali.
Que não importava as feridas, marcas deixadas pela vida.
Não importava seu corpo cansado e sua alma desnuda.
Não importava seus medos e seus padeceres, ele estava ali.
Não exigiria seu amor porque era ele quem iria amar.
Só queria vê-la forte, bonita, feliz tal qual outrora e,
Então poria uma musica e em seus braços a faria girar e girar.
E o som de sua risada alegre abafaria a música que os envolvia.
E ela saberia que sempre o amou e que era amada como nunca.
E rodando, rodando, viveriam um para o outro num reino
Onde ele seria seu rei e ela sua rainha e a única lei seria amar.
Amar de forma incondicional, absoluta, plena e infinita.

Escrita por Carmen Mattos

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Nudez


Estou despindo-me de você.
A cada dia, tiro um pouquinho.
Algumas saem com facilidade.
Outras precisam ser arrancadas.
Algumas nem mesmo doem.
Outras sangram com abundância.
De qualquer forma, estou despindo-me.
Nua do seu corpo e do seu cheiro,
Começo a reencontrar o meu.
Olho-me no espelho e vejo que a cada dia
Sou mais eu e menos você.
Estou apagando as lembranças,
Tal qual apaguei as fotografias.
Enxugo minhas lágrimas no fogo
Que fiz do nosso passado.
Trato cuidadosamente das feridas,
Que ainda existem no meu corpo.
E assim elas vão, pouco a pouco,
Cicatrizando sem deixar marcas.
Não quero lembrar-me do que fui.
Quero esquecer-me do que você foi.
Por isso essa necessidade de tirar-lhe,
De forma completa, total e definitiva.
Tapo meus ouvidos para não ouvir seu nome.
Abro meus olhos para que não possa entrar em meus sonhos.
Aborto-o todos os minutos da minha vida,
Como alguém indesejável dentro de mim.
Lamento todos os dias que compartilhamos.
Lamento todo o amor que lhe dediquei.
Lamento todo o bom e ruim de nossa vida.
Hoje quero viver o meu sonho e não o seu.
Aqueles mesmos sonhos que me você me roubou.
E na nudez da sua ausência, serei eu e não você,
A razão da minha existência.

Escrita por Carmen Mattos


Pássaro Cantante


Ela era um pássaro vistoso e alegre.
Voava por jardins e areias alvas.
Quando se cansava, pousava em qualquer lugar.
Pois todos a conheciam e a amavam.
E para ela, todos os lugares eram lindos.
E aí se punha a cantar melodiosamente.
Seu canto espalhava-se no ar suavemente.
Vibrante e cheia de vida, cantava e voava.
Voava e cantava incessantemente.
Um dia um homem a viu e ficou fascinado,
Por sua beleza, seu canto, sua alegria.
Ele vinha de longe e não partiria sem ela.
Ofereceu-lhe uma gaiola dourada,
Não precisaria mais procurar por comida,
Teria um abrigo, cuidados e muito amor.
Ela seduzida pelas suas promessas,
Encantou-se por ele e partiu.
Trocou toda a sua liberdade de voar,
De viajar por entre campos e mares,
Por aquele homem que tanto lhe prometia.
Lá chegando, foi posta numa linda gaiola dourada,
Como ele lhe dissera, e ele sentava-se ao seu lado.
Só para ouvi-la cantar e transbordar alegrias.
O tempo foi passando, o dourado da gaiola desgastando.
Ele já não vinha vê-la cantar, pouco aparecia.
E ela presa, não podia mais voar.
Seu canto virou um lamento, mas ele nem percebia.
Suas cores foram murchando, mas ele sequer notava.
A cada dia que se passava, mais rouco ficava seu cantar.
Suas penas, já sem cor, começaram a cair.
Ela era a imagem do desalento e solidão.
Mas ele quase não a via e não notava que ela se apagava.
Sua gaiola, um dia dourada, agora era só ferrugem.
Entristecida e solitária, suas asas começaram a cair,
Seu canto emudeceu e ela olhava-o, de longe,
Pedindo-lhe que sentasse ao seu lado e a ouvisse.
Iria cantar-lhe a mais linda das canções que conhecia.
E para tanto bastava que ele voltasse a ficar com ela.
Entretanto, ele cada vez se afastava mais se tornando um vulto.
Outras coisas, outros pássaros lhe interessavam mais.
Enchia os pulmões e soltava sua voz o mais longe possível
Na vã tentativa de alcança-lo, mas um grunhido rouco,
Era tudo que restava dentro do seu peito vazio de amor.
Um dia, como que por acaso, ele passou por perto dela,
Feliz ela preparou-se para aquele canto a tanto tempo ensaiado,
E ele, sem nem olha-la direito, abriu a gaiola e a pôs para fora.
O canto melodioso feito tão somente para ele,
Ficou trancado na garganta e sem poder voar, foi andando.
Andou para bem longe, andou devagar, cantando um lamento,
Aonde antes havia canções de amor e paixão.
Bateu suas asas com uma força retirada não sabe de onde.
E alçou voo e lá de cima o viu encantado com outros pássaros
Sentado a ouvir-lhes como ela bem conhecera.
Olhou-o tristemente, olhou-o com piedade, e se foi.
Agora, volta a voar sobre campos e mares.
Sente os perfume das flores e o calor do sol.
Suas cores pouco a pouco vão voltando e,
Já pode cantar lindas, um tanto tristes, melodias.
Coisas que a solidão e o descaso a haviam feito esquecer.
A cada dia mais forte e vistosa, sonha não com uma gaiola
Mas com um pássaro, que com ela, voe e cante em harmonia.

Escrita por Carmen Mattos


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