segunda-feira, 31 de agosto de 2015

SER FELIZ


Não olhei para trás, com os olhos semicerrados, seguia em frente.
O vento que trazia a poeira de encontro ao meu corpo em dor,
Era o mesmo que varria a estrada, espalhando as folhas secas.
Podia ouvir o seu uivar a minha volta, como fossem lobos famintos.
Tentando manter-me em pé, travava uma batalha a cada passo.
Passava por todos os lugares em que feri minhas mãos nas telas,
Que caprichosamente amarava com arames finos e alicates velhos.
Era a construção de um sonho que eu sonhara pelos teus olhos.
A cada término, mal curadas as feridas, iniciava-se outra e mais outra.
E assim, teu sonho foi tomando forma, construído com o nosso suor.
A beleza foi se formando, brotaram flores onde antes só havia mato,
Chegaram os pássaros e com eles o canto sonoro que nos despertava.
O perfume preenchia o ar e inebriava cada canto escondido da casa.
Beija flores e bem te vi eram nossa companhia, no suave entardecer.
Sinal de mais um dia findado e mais projetos rascunhados no papel.
Formigas, cupins, tiriricas e um sem fim de pragas eram controladas,
Sob costas curvadas por horas infindáveis e que depois ficavam a latejar.
Tudo tinha que ser visto, cuidado, limpo e consertado na hora exata.
Assim era feito entre risos e brincadeiras, quedas da escada e sustos.
Mas destemidos, nada nos detinha frente às adversidades inesperadas:
Chuvas de pedras, temporais destruidores, vendavais arrasadores.
Coisas que nos levavam madrugada adentro, salvar o que podíamos.
Depois relaxados, tomávamos um banho bem quente, e dormíamos.
Logo outro dia amanheceria com o cantar dos canários e pássaros pretos.
E assim passavam-se os dias e a beleza ia tomando forma entre cores.
Éramos tão iguais que nos encaixávamos como o côncavo e o convexo.
Então a inveja e a maldade vieram nos visitar e só encontraram beleza.
O perfume da dama da noite, as cores dos manacás, o sabor dos poncãs,
Era um anexo do paraíso que elas não suportavam não possuir para si.
E eu chorei e tu não me defendeste, desolada te olhei em sofrimento.
Viraste o rosto para não olhar nos meus olhos opacos de desamparo.
Fui te perdoando vezes sem fim, mas o perdão sempre cobra seu preço.
A cada perdoar, um pouco de mim murchava e um pouco de ti apagava.
Já não queria as belezas do lugar nem seus perfumes, sequer suas cores.
Queria a coisa mais importante que lá havia: tu e teus loucos sonhos.
Mas ao ver que as visitas inesperadas o haviam roubado de mim.
Aquietei-me na cama do descaso e cobri-me com folhas mortas.
Olhava-te de longe, mesmo quando ao meu lado estavas, amargurada.
Fechava meus olhos na vã tentativa de não ver ruíres diante de mim.
Todos os risos e brincadeiras fora tragados e só lágrima restou.
Eu, silenciosamente, te suplicava que retornasses para meus braços.
E tu cego e surdo aos meus apelos, deixavas te levar pelo orgulho.
Esquecendo-se que tudo que ali existia eram obras feitas por nós dois.
Nada havia de meu ou teu, era nosso suor misturado a nossa paixão.
Tomaste só para ti a coroa de louros e eu nada disse, somente sorri.
Um amargo sorriso de compaixão, não sei se de mim ou da tua vaidade.
O meu príncipe havia se desnudado e somente eu podia ver o que restara.
Cada vez mais distante das horas passadas juntos, não espantei as cobras.
Estava muito cansada para enfrentar essa nova batalha, mesmo sabendo,
Que as cobras comeriam os sapos, que ratos invadiriam tudo a sua volta,
O caos se instalaria, matando-me primeiro e depois tudo ao seu redor.
Queria morrer para não presenciar a morte em vida em que viveria.
E assim foi, morri a cada palavra tua, morri com o frio olhar a me olhar.
Morri quando me abandonaste, ouvindo as risadas sarcásticas ao longe.
De tanto morrer sobrevivi, para então vir a morrer mil vezes novamente.
E as previsões se fizeram verdades, o manto da inveja a tudo cobriu.
E tu inerte, vê minha luz se apagar, na traição de Judas beijando Cristo.
Então, não olho para trás, pois não há o que ver, nem o que lamentar.
Tudo se foi quando sol se apagou, para chorar a morte do Criador.








domingo, 30 de agosto de 2015

VISTE A LUA?


Sábado já domingo, pois é madrugada, a lua cheia,
Ilumina todo o céu com seu prateado resplandecente.
Eu aqui sozinha no apartamento, pensei em lamentar.
Pois a lua pertence aos enamorados e beijos são trocados.
Abraços, carinhos, uma infinidade de emoções tácteis.
E eu aqui sozinha, olhava a lua a me olhar condescendente.
E assim descobri, que nessa troca de olhares, éramos só nós.
Não precisava dividi-la com ninguém, em todo o seu brilhar.
Ela me iluminava e eu resplandecia em vestes prateadas.
Rodava pela sala intensamente, num bailado solitário e silencioso.
Com as luzes apagadas, ela fazia minhas vestes de princesa.
E não invejei os enamorados, perdidos na paixão avassaladora.
Paixões fugazes, efêmeras, que se perderiam ao nascer do sol.
Eu tinha mais, muito mais, tinha um luar que só a mim abraçava.
E mesmo de olhos fechados, pensamento distante, era mais feliz.
Porque podia dançar, sonhar e sentir na minha pele sua carícia.
Sem que ela fosse fugaz, efêmera e se perdesse no amor amado.
Cúmplices na nossa solidão, fizemos amor mil vezes de mil formas.
Um amor sublime e onírico alheio à carne que cobria meu corpo.
Meus olhos ameaçaram lágrimas, mas ela me sorriu com alvura.
E gritava-me: rode, rode, dance, dance, pois assim é o nosso viver.
Todas as noites estarei aqui, não importa o que venha a acontecer.
De forma pontual e serena, estarei aqui para acariciar tua alma.
Não te lamentes por estar sozinha a me observar, eu te sou fiel.
Tu me olharás todas as noites e todas as noites te farei reverencia.
E juntas passaremos horas a nos olhar, de uma forma cúmplice,
Que nenhum amante poderá substituir com tamanha paixão.
Sem medo, me esperarás porque sabes que jamais  falharei.
Saberás onde estou em todos os momentos do dia e voltarei,
Voltarei para teus braços dia após dia e sem que palavra seja dita,
Vestir-te-ei com meus raios e sairemos a bailar no infinito do querer.
Quando cansada estiveres, docemente velarei teu sono e sonhos.
Um sorriso brotará em teus lábios na certeza do nosso amanhã.
Assim, meu luar amante, dançamos todas as minhas incertezas.
Nas noites em que contigo passo de forma casta e inebriante.



                    


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

ESQUINAS

No emaranhado da vida, em qual esquina nosso sonho se perdeu?
A casa gostosa com um lago a sua frente e flores no jardim.
Os passeios de mãos dadas, beijos inesperados e perfume no ar.
Uma comidinha gostosa, feita por mim, feita por você e nada mais.
Sorrisos cúmplices, gargalhadas sonoras e olhares de soslaio.
Uma casinha de passarinho pendurada num galho de árvore,
Um ninho encontrado ao acaso, grama para cortar, formigas.
Tudo tão simples e nós fomos complicar com as expectativas.
 Era só deixar o tempo correr, os cabelos se embranquecerem,
Rugas, marcas do tempo passado; rugas, das risadas trocadas.
Um cão a nos acompanhar, entrelaçando-se em nossas pernas.
Um quase cair, não fosse o apoio do companheiro sempre atento.
Cada minuto parecia dias recheados de doces e alegres lembranças.
E assim tudo acontecia entre a minha e a sua vida no reflexo da água.
Nas noites, luar de prata, no amanhecer dourando o nosso dia.
No nosso caminhar, víamos esquinas que olhávamos com desdém.
Sem dar-lhes atenção, seguíamos em frente saboreando cada passo.
O vento despenteava os nossos cabelos e arrepiava nossa pele.
Mas seguíamos em frente, fazendo projetos, novos sonhos a sonhar.
A nossa trilha, foi se alargando para dar passagem a outras pessoas.
E dávamos passagem, puros no nosso profundo e intenso desejar.
E sem mais nem menos, descobrimos que já não éramos só nós.
Uma legião se formou a nossa volta, para desfrutar o indivisível.
Serenos e orgulhosos mostramos todos os segredos do coração.
Não havia o que temer, o sonho nos pertencia e era intocável.
E foi então que apareceram as encruzilhadas, esquinas nunca vistas.
Primeiro foi a da incerteza, eu segui em frente, mas você entrou.
Eu chorei, mas me alcançastes e com mãos macias me abraçastes.
Depois veio a da mentira, eu cai de joelhos enquanto você se perdia.
Correste até mim e novamente me abraçaste, não consegui sorrir.
Mais adiante nos deparamos no trevo da deslealdade e eu nem olhei,
Segui em frente enquanto o via alegre passear por seus arbustos.
Novamente, me alcançaste e me abraçaste, mas já não senti o seu calor.
Então o caminho terminou e só havia duas direções para escolhermos:
E você escolheu o da traição. Olhei-a roubando-lhe de mim a cada passo.
Sentei-me no chão, ainda incrédula, o meu pranto ecoou pelos ares,
Assustando as aves, murchando as flores e roubando todo o perfume.
Chorei todo o lamento da maior das perdas, soquei a terra dura.
Olhei para o céu, com meus olhos enevoados, para obter uma resposta.
Feri minhas mãos, destrocei meu coração e apunhalei minha alma.
E assim, em trapos e trôpega, levantei-me e comecei o caminho de volta.
Dor e ira se misturavam numa massa que borbulhava dentro de mim.
E os olhos, que seu pranto derramava, olhavam a boca irônica blasfemar.
A guerreira ferida perdera para sempre o seu menino sonhador,
Numa esquina qualquer, de nome Traição.






sábado, 22 de agosto de 2015

MENINO TOLO



Parada na porta, com o peito dilacerado, ela o viu sair.
Já não lembrava mais se ele olhara para trás, se lhe sorriu.
Ficara somente, tatuada em sua retina, a última imagem:
Suas costas eretas, afastando-se e levando-o da sua vida.
Fechou a porta, nela apoiando-se, e escorregou até o chão.
O pranto contido se fez presente, soluços encheram o ar.
Olhou para mesa posta e viu as sobras do café da manhã.
Seus lábios ainda ardiam rachados pelos beijos trocados.
Sentia em seu corpo o perfume que ele deixara em si.
Tudo era surreal, quem sabe um sono que se tornou ruim.
Levantou-se o foi para a janela, queria vê-lo uma última vez.
Viu o carro afastando-se sem saber se ele a olhava também.
Sentou-se na poltrona, acendeu um cigarro e depois outro.
A fumaça se esvaia tal qual sua tola ilusão dos dias vividos.
A risada gostosa e as mãos entrelaçadas nada mais importavam.
Não haveria mais sussurros no ouvido, nem cumplices olhares.
Tudo se fora, como a fumaça de um cigarro já apagado.
Restara ela, sua solidão, as lágrimas e a dor não compartilhada.
Ergueu suas mãos para acalentar seu coração já tão desiludido,
Mas não o encontrou, no seu lugar havia uma grande pedra,
A mostra-lhe que já não poderia mais amar a ninguém, a nada.
Num derradeiro ato de covardia ele fizera a troca, sorrateiramente.
Adormecida em seus braços, ele roubou-lhe tudo que sobrara.
Invadiu sua privacidade, adonando-se de seus segredos e sonhos.
Tudo que havia dentro de si, agora lhe pertencia de forma irrestrita.
Por descuido e sem maldade, ela se desnudara de sua armadura.
E ele vendo-a, assim frágil, desmaiada no calor que lhe oferecia.
Quis a única coisa que ainda não lhe pertencia, o que pulsava.
O que permitiria que ela não morresse com sua saída programada.
Era uma morte anunciada, onde ele lhe fizera a protagonista.
E ele, como coadjuvante, assistia de camarote a cena principal.
Agora, ao tocar a pedra fria que ele lhe presenteara no ato final,
Desiludida entre lágrimas ria-se por saber que sua inata alegria,
Era o que o fazia gargalhar leve todas as noites que dividiram.
Tornando-se, algoz e vitima, exilando-se numa amargura sem luar.



PREVISÍVEL


De tanto de conhecer, não pude te reconhecer.
Sabia que ias cortar o cabelo, como eu gosto.
Esperava ver brilho no teu olhar e vi névoa.
O pulôver de cola V que tanto odeias me fez rir,
Mostrou-se um presente de quem não te conhece.
Esperava-te de azul como o céu que tanto amas.
Mas a cor era uma feia mistura descombinada.
Teu corpo perdera a musculatura bem delineada.
As mangas longas tentaram, em vão, esconder
Teu corpo flácido e envelhecido do doído sofrer.
A tua altivez e prepotência, eram meras farsas,
De quem um dia fora e já não era perdido no nada.
Vi uma sombra mal desenhada da tua infelicidade.
As minhas largas lágrimas e longas noites insones,
Pesavam em tuas encurvadas costas emagrecidas.
Teu rosto descarnado abriam profundos sulcos,
Que só um insuportável sofrer é capaz de escavar.
É a vida continua e continuando vai te levando.
De forma mansa para tudo que foi “inesquecível”.
Queria ter tido piedade, mas nem isso consegui.
Tua imagem patética era o reflexo no espelho
Do que me fizestes até bem pouco tempo atrás.
Tirastes-me o chão e tive que aprender a voar.
Cai muitas vezes, cortei-me toda e criei cicatrizes.
Sozinha, tive que curar as feridas e enxugar as lágrimas.
Não me estendeste a mão uma vez sequer e te rias.
Me humilhaste, ultrajando minha dignidade e alma.
Escondeste-te por trás do arco íris que cortava o céu.
Esquecendo-se que no final sempre há um pote de ouro.
Entre tropeços e soluços alcancei e vesti-me de dourado.
E fez-se o sol, destruindo as sete cores que manchavam
A tua falsa felicidade, sem que houvesse velas para soprar.
No emaranhado de cobras suportas as dores que infligistes.
E eu que tanto te amei e que por ti daria toda a minha vida.
Hoje sou a tua única chance de cura, de paz e de felicidade.
Mas te nego esse unguento para curar tuas chagas.
E não seco teu pranto velado no escuro da noite.
Nem saio dos teus sonhos do teu sono agitado.
Estou presente em tudo a tua volta e sou eu a imagem
Que te olha no espelho e que queres alcançar sem sucesso.


SEREIA



Ela era uma sereia serena de longos cabelos escuros,
Como uma noite sem luar, com o brilho das estrelas.
Seus olhos amendoados tinham a cor de terra lavrada.
Seus lábios carnudos lembravam um por de sol de inverno.
Sua longa cauda era de um verde esmeralda reluzente.
No momento em que ele a viu, ficou paralisado de amor.
Ela temerosa, lançou lhe olhares de soslaio e suspirou.
Mas seus corações já haviam se entrelaçado,sem saber.
Ele na terra, ela na água. E se amaram de forma contundente.
Ela lhe ensinou a cantar, a dançar, a sorrir e lhe deu alegria.
Ele lhe ensinou a andar por terras até então desconhecidas.
Andavam de mãos dadas, segurando-a nos tropeços da vida.
E ela dançava em seus braços dando ritmo ao seu ostracismo.
Assim passaram-se dias, semanas, meses e anos seguidos.
A terra invadindo a água e a água inundando o árido solo.
Aí vieram outras pessoas que não podiam entender terra e água.
Veio à inveja, veio à malícia que trouxe consigo a maldade.
E o convenceram que ela era somente uma sereia, uma ilusão.
E ele começou a vê-la somente como uma sereia, uma ilusão.
Os carinhos cessaram, a rispidez se fez presente e ela chorou.
Seus cabelos perderam a maciez, seus olhos o brilho e calou-se.
Já não se davam as mãos e não se amavam como outrora.
Ele parou de sorrir, ela parou de cantar, eles pararam de viver.
Então ela foi embora levando consigo a água que irrigava o solo.
E ele ficou com o solo seco e quebradiço, sem que nada brotasse.
Ele cavou, cavou, cavou até seus braços não conseguirem mais.
Mas nunca mais encontrou a água que se fora para sempre.
Ela chorou, chorou, chorou até descobrir que ainda sabia cantar.
Ele com o corpo cansado do vão trabalho murchou com as plantas.
Ela cantando com sua voz doce, voltou a ter os encantos de sereia.
A inveja, a malícia e a maldade, gargalham sobre a estupidez dele,
E seguem suas vidas sem se importar com sua morte em vida.
Ele dessolado olha o horizonte a procura da sua sereia, sem vê-la.
Ao seu lado, sobre o chão seco, cisca uma galinha de Angola,
Trazendo-lhe alegrias efêmeras e passageiras, pois quando cai à noite,
É o canto da sua sereia que lhe embala os sonhos e lhe beija a boca.





Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...