Não olhei
para trás, com os olhos semicerrados, seguia em frente.
O vento que
trazia a poeira de encontro ao meu corpo em dor,
Era o mesmo
que varria a estrada, espalhando as folhas secas.
Podia ouvir
o seu uivar a minha volta, como fossem lobos famintos.
Tentando
manter-me em pé, travava uma batalha a cada passo.
Passava por
todos os lugares em que feri minhas mãos nas telas,
Que
caprichosamente amarava com arames finos e alicates velhos.
Era a
construção de um sonho que eu sonhara pelos teus olhos.
A cada
término, mal curadas as feridas, iniciava-se outra e mais outra.
E assim, teu
sonho foi tomando forma, construído com o nosso suor.
A beleza foi
se formando, brotaram flores onde antes só havia mato,
Chegaram os
pássaros e com eles o canto sonoro que nos despertava.
O perfume
preenchia o ar e inebriava cada canto escondido da casa.
Beija flores
e bem te vi eram nossa companhia, no suave entardecer.
Sinal de
mais um dia findado e mais projetos rascunhados no papel.
Formigas,
cupins, tiriricas e um sem fim de pragas eram controladas,
Sob costas
curvadas por horas infindáveis e que depois ficavam a latejar.
Tudo tinha
que ser visto, cuidado, limpo e consertado na hora exata.
Assim era
feito entre risos e brincadeiras, quedas da escada e sustos.
Mas
destemidos, nada nos detinha frente às adversidades inesperadas:
Chuvas de
pedras, temporais destruidores, vendavais arrasadores.
Coisas que
nos levavam madrugada adentro, salvar o que podíamos.
Depois
relaxados, tomávamos um banho bem quente, e dormíamos.
Logo outro
dia amanheceria com o cantar dos canários e pássaros pretos.
E assim
passavam-se os dias e a beleza ia tomando forma entre cores.
Éramos tão iguais
que nos encaixávamos como o côncavo e o convexo.
Então a
inveja e a maldade vieram nos visitar e só encontraram beleza.
O perfume da
dama da noite, as cores dos manacás, o sabor dos poncãs,
Era um anexo
do paraíso que elas não suportavam não possuir para si.
E eu chorei
e tu não me defendeste, desolada te olhei em sofrimento.
Viraste o rosto
para não olhar nos meus olhos opacos de desamparo.
Fui te
perdoando vezes sem fim, mas o perdão sempre cobra seu preço.
A cada
perdoar, um pouco de mim murchava e um pouco de ti apagava.
Já não
queria as belezas do lugar nem seus perfumes, sequer suas cores.
Queria a
coisa mais importante que lá havia: tu e teus loucos sonhos.
Mas ao ver
que as visitas inesperadas o haviam roubado de mim.
Aquietei-me
na cama do descaso e cobri-me com folhas mortas.
Olhava-te de
longe, mesmo quando ao meu lado estavas, amargurada.
Fechava meus
olhos na vã tentativa de não ver ruíres diante de mim.
Todos os
risos e brincadeiras fora tragados e só lágrima restou.
Eu,
silenciosamente, te suplicava que retornasses para meus braços.
E tu cego e
surdo aos meus apelos, deixavas te levar pelo orgulho.
Esquecendo-se
que tudo que ali existia eram obras feitas por nós dois.
Nada havia
de meu ou teu, era nosso suor misturado a nossa paixão.
Tomaste só
para ti a coroa de louros e eu nada disse, somente sorri.
Um amargo
sorriso de compaixão, não sei se de mim ou da tua vaidade.
O meu
príncipe havia se desnudado e somente eu podia ver o que restara.
Cada vez
mais distante das horas passadas juntos, não espantei as cobras.
Estava muito
cansada para enfrentar essa nova batalha, mesmo sabendo,
Que as
cobras comeriam os sapos, que ratos invadiriam tudo a sua volta,
O caos se
instalaria, matando-me primeiro e depois tudo ao seu redor.
Queria
morrer para não presenciar a morte em vida em que viveria.
E assim foi,
morri a cada palavra tua, morri com o frio olhar a me olhar.
Morri quando
me abandonaste, ouvindo as risadas sarcásticas ao longe.
De tanto
morrer sobrevivi, para então vir a morrer mil vezes novamente.
E as
previsões se fizeram verdades, o manto da inveja a tudo cobriu.
E tu inerte,
vê minha luz se apagar, na traição de Judas beijando Cristo.
Então, não
olho para trás, pois não há o que ver, nem o que lamentar.
Tudo se foi
quando sol se apagou, para chorar a morte do Criador.