domingo, 20 de janeiro de 2019

FELIZ NATAL - Carmen Mattos












A matriarca sentada a cabeceira da longa mesa
Com um leve riso nos lábios, olhava a sua volta
A mistura das vozes tornava tudo ininteligível
Gargalhadas e lembranças de um passado já distante
Eram repetidos em forma de brincadeiras vãs
O espelho mostrava seus cabelos recém pintados
Baixou os olhos para a mão enrugada no anel de esmeralda
Era o que restava de tantos anos de infinitas batalhas
Noites insones, deveres intermináveis, direitos esquecidos
Mas tudo valera a pena pois não trazia no peito o remorso
Fora dura, chorara escondido, curou suas próprias feridas
Nunca fora prioridade em nada e nem para ninguém
Estivera ali de passagem para cumprir uma missão
E o fizera a despeito de tudo e de todos que a cercavam
Engoliu humilhações e descasos como se guloseimas fossem
Essa era sua festa preferida, o Natal com seu Papai Noel
A árvore com suas luzes e inúmeros enfeites coloridos
Nunca tivera festa de aniversário, nascera quase com Jesus
E assim, ao longo dos anos, comemoravam juntos essa data
Natal sempre fora, por obrigação, a sua única festa na vida
Esperava o ano todo por este dia, que era o seu único dia
Encheu sua taça de espumante e fez um silencioso brinde
Brindou a si mesma, pela coragem, pelas lutas e pela dor
Há muito esquecera-se como era chorar lagrimas de verdade
Todo o seu pranto era retido em algum lugar do seu peito
E dali levava brilho aos olhos e um eterno sorriso aos lábios
A toalha de linho imaculada, porcelana e cristais se uniam
Cardápio escolhido com meses de antecedência, vinho
Guirlanda na porta e enfeites completavam toda a cena
Mais uma vez, entre tantas vezes, hoje era o seu dia
O tilintar do telefone a tirou do devaneio por um instante
Era o terceiro, era o último e então tudo se acabaria
Escolheu sua voz mais suave para então dizer alô
Feliz Natal mãe, Feliz Natal vó, gritavam do outro lado
Como de praxe, ela respondeu com alegria roubada
Dois ou três minutos depois, tudo silenciou na sala
Os enfeites velhos e mofados perderam seu brilho
Olhou novamente para o espelho e viu sulcos no rosto
O roupão desbotado e o sanduiche a sua frente era tudo
Levantou-se com o vagar da idade e foi para seu quarto
Dormir à espera de, talvez, mais um Natal.

PARA VOCÊ, COM AMOR










Com um olhar maroto e um leve sorriso nos lábios,
Dissestes para mim: “Nós somos sobreviventes! ”
Baixei meus olhos e em devaneios, lembrei o esquecido.
No início do meu segundo ano de faculdade fui mãe.
Antes de terminar o terceiro ano, fui mãe novamente.
Quantos todos pensavam que tudo se acabara para mim,
Formei-me com 4 meses de gravidez da minha terceira filha.
Com três filhas e sem dinheiro nem mesmo para os livros,
Acabei minha residência num honroso primeiro lugar.
Com uma filha com 7 anos, outra com 5 e a menor com 2,
Tornei-me arrimo de família, centro do mundo de nós 4.
Corria de um emprego para o outro, dormia quando podia.
Mas nada faltou para vocês, exceto o amor que mereciam.
Ele existia, mas estava latente, escondido na falta de tempo.
Fui humilhada e ferida inúmeras vezes mas calava-me sempre.
Precisava do trabalho pois vocês só tinham a mim como porto,
E eu não tinha ninguém para me ajudar ou secar meu pranto.
Via em seus olhos a decepção da minha eterna ausência.
Mas vocês nunca viram minhas lágrimas que escorriam
Por debaixo da máscara enquanto a festinha ocorria no colégio.
Imaginava seus olhinhos a me procurar entre os outros pais,
Sem nunca me achar, mas sempre na esperança de lá eu estar.
O tempo foi passando, a vida foi seguindo da forma possível.
Numa tola ilusão, acreditei que o tempo iria faze-las entender.
A maturidade as faria ver que a vida não me dera opção.
Entre quedas e a escuridão, errei muitas vezes sem querer.
Errei tanto e tantas vezes que me foi negado o perdão.
E num dia, entre dores e gritos de pessoas desconhecidas,
Ouvi o tilintar do telefone que me chamava com urgência.
E como de costume, fui humilhada de todas as formas possíveis.
Já não era por necessidade mas para proteger a tua felicidade.
Com maldade e crueldade fui esquartejada em mil pedaços.
Por alguém que nunca calçara os sapatos que a vida me dera.
Silenciei porque sabia o quanto era importante o meu silencio.
Horas depois, ainda em chagas, ingenuamente pedi o teu socorro
Tu me negaste. Talvez por vingança, não sei, tornei-me um nada
Pouco a pouco fostes me tirando da tua vida, até eu ser ninguém
Por anos, meses e dias eu chorei muito o luto que era tua perda.
Depois, como todas as pedras com que feri meus pés, acostumei
Neste momento ergui meus olhos para os teus, sorri suavemente
E pensei: “Eu sou a sobrevivente! ”

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