segunda-feira, 3 de setembro de 2018

COISAS DA VIDA


São incontáveis os sentimentos que vez por outra passam por nosso peito.
Alguns de alegria, melancolia, angústia, aflição e de todos o pior: dor.
Se bom seria se todas as dores fossem físicas, bastaria um analgésico, ficar quietinha um pouquinho e tudo estaria resolvido.
Uma dor para ser dor de verdade, tem que vir lá de dentro. Daquele cantinho escuro que raramente mostramos para alguém.
Essa dilacera, destrói, arrebata tudo de bom que poderia haver e joga no chão o maior dos heróis.
E então vem a piedade. Com lágrimas nos olhos, olha a dor e a vê incapaz de levantar-se. Com sua imensa pseudo bondade, passa as mãos pelos cabelos da dor e com voz mansa diz que um dia tudo vai passar e que ainda vão rir juntas daquilo tudo.
A piedade é indigna por achar que a dor é só uma dorzinha que está machucando um pouco, tipo um calo feito pelo sapato novo.
E assim, a piedade sente-se majestosamente bondosa por acariciar com palavras vãs a imensidão não vista da dor.
Olhando ao longe, observando as entranhas expostas em toda a sua magnitude, encontra-se a compaixão.
Ela nada diz porque nada há para dizer quando tudo se foi e só restou um emaranhado de sentimentos sem sentido.
Mas a compaixão é magnânima e sem julgar, sem perguntas ou afagos, senta-se ao lado da dor e segura sua mão. Em simbiose com a dor faz o que ela faria por ela.
Compaixão mistura-se e tornam-se uma só e sendo uma só seguirão o mesmo caminho, seja ele de pedras ou flores.
Nunca pedi piedade para mim ou para outros. A piedade só não é indigna para quem a oferece. O piedoso estufa o peito e sente-se mais perto de Deus.
Mas sim, já pedi mil vezes pela compaixão pois a dor é indivisível e assim sendo, precisa ter ao seu lado a paixão do amor verdadeiro que a carregue nos braços quando não tiver forças para caminhar, que a escute quando todos estiverem surdos e que aceite a catatonia que lhe limita.
É tão desgastante ter compaixão!
Eu espero que você nunca venha a precisar pois, talvez por não ter treinado, não consiga encontrá-la.

domingo, 2 de setembro de 2018

UM LUGAR PARA NINGUÉM


Ela sempre esteve perdida entre desamores e dolorosos vazios.
Nunca encontrava um lugar para chamar de seu e assim vagava por entre fantasias criadas pelo seu desejo de ser alguém.
Mas os anos foram passando e lutou para se encontrar nos seus desencontros, sem nunca terminar sua busca.
Foi usada, ultrajada, magoada, ferida de todas as formas e por todos os motivos.
Porém, agora havia um motivo. Havia por quem seguir em frente e haveria de seguir a qualquer preço.
E mais pares de anos se seguiram. Anos de lutas, anos de solidão, anos de esperanças no além.
Seus olhos pouco viam mas enxergavam longe pelos olhos de outros e isso lhe bastava.
Não tinha descanso mas dormia nos braços de outros que lhe enchiam de orgulho.
Não viajava mas conhecia o mundo pelas malas de outros que lhe traziam histórias.
Não conhecia lugares da moda, nunca saiu para dançar, mas tudo sabia pelas palavras que outros lhe diziam.
Assim se fazia feliz pois finalmente tinha um lugar naquele mundo que tudo lhe negou por tanto tempo.
Então, pouco a pouco, percebeu que ainda era uma fantasia, que seu coração por compaixão a fizera acreditar.
Sem ter mais tempo para um novo recomeço, sentou-se no chão e chorou.
Nada mais havia a fazer a não ser chorar.
E assim ficou a prantear todos os sonhos que um dia teimara em sonhar.
Ela nunca faria parte de lugar algum porque não existe morada para quem sempre foi ninguém.


sábado, 1 de setembro de 2018

DAS COISAS QUE NÃO TE CONTEI



     Eu era uma das melhores alunas. Saia puída, blusa encardida e dedos encolhidos dentro do sapato que já não serviam mais.
     Chegava em casa e por falta do que fazer ou talvez para
fugir da realidade, fechava-me no quarto e lia. Livros empoleirados da biblioteca do colégio. Antes dos 15 anos, já conhecia Dante, Victor Hugo, Cervantes, Ulisses, Camões e tantos outros. De Tácito e Cicero, pouco entendi e os reli na vida adulta. Recitava Augusto dos Anjos sem pestanejar.
     E assim vivia e assim sonhava procurando pelo mundo de Dom Quixote.
     Escondia-me das vergonhas infringidas por meu pai. Homem de posses, intelectual, que submetia a sua família as mais infames humilhações. Viciado em sexo, passava dias sem aparecer em casa, deixando a todos dependentes da bondade alheia.
     A escola era uma fuga e de repente tornou-se mais uma dor. Todos os dias, ao final da última aula, a diretora entrava na sala, chamava meu nome e pedia que minha mãe comparecesse a escola. Eu sabia o motivo, todos sabiam e eu por medo ou piedade nunca dava o recado para minha mãe.
     Então chegou o dia em que a diretora, cansada do descaso que de forma injusta, atribuía a minha mãe, disse que no dia seguinte só entraria no colégio junto com ela.
     No caminho de casa, dei-me conta que eram tão somente moinhos de vento e que Dulcinéia nunca seria encontrada.
     Enfim, entre tantas magias, sonhos e desilusões, dei o recado.
     No dia seguinte, minha mãe colocou seu melhor vestido que talvez já tivesse mais de 15 anos, seu sapato de salto gasto e fomos ao colégio. A Diretora nos esperava na porta e juntas entramos na sua sala de móveis escuros e brilhantes. Minha mãe sentada em uma poltrona de couro e eu em pé ao seu lado.
     Havia 4 meses de atraso nas prestações do colégio. Aquilo tinha que ser resolvido ou eu seria transferida para uma escola pública, que naquela época já tinha um ensino medíocre.
     Minha mãe explicou toda a situação, sem que uma lágrima escorresse de seus olhos, mesmo eu sabendo que ela estava dilacerada por dentro.
     E sem ter o que oferecer, ofereceu seus serviços. Faria qualquer coisa. O mais humilde se necessário para que eu pudesse continuar a estudar.
     Não sei se por necessidade ou por compaixão, foi lhe oferecido um trabalho de limpeza em troca dos meus estudos.
     No dia seguinte, fomos juntas para o colégio e eu envergonhada, ficava bem longe dela e sequer a olhava.
     E assim passou-se todo um ano; em que a cada dia eu a matava e a cada dia ela renascia, como Fênix, para que eu não tivesse o seu mesmo destino.

quinta-feira, 28 de junho de 2018


Seus cabelos ainda ressecados, o suor frio que banhava seu corpo, alucinações...
Alguém que sequer conhecia, mas que se tornara seu cúmplice em mais esse crime sombrio. Jogada em um canto qualquer, invisível aos olhos daqueles que não se importavam, despida de toda consciência moral do certo e errado, era mais um dia. Um resto de vida roubado de sua juventude, de seus 20 anos.
Um passado de dor, ódio e rancor daqueles que nunca lhe amaram e que lhe trouxeram para esse mundo, esse fim em si mesma, esse looping de euforia e sofrimento mascarado pelo prazer momentâneo a que se permitia.
Ela se encontrava e se perdia todos os dias. Era um vício mais forte do que sua vontade de fugir. Ela simplesmente se entregava. Já não recordava sua aparência no espelho, ou de momentos em que era feliz. Já não existiam...
Seus ossos sobressalentes, seus dentes malcuidados, cicatrizes que eram perfuradas novamente dia após dia.
Talvez a dor que embalava seus pensamentos agora, num momento raro de sobriedade, fizesse algum sentido no meio de tanta sujeira e destruição.
Talvez a vida lhe reservaria algo melhor, dias melhores, uma vida melhor.
Talvez...
E na incerteza do que havia por existir, ela fechou os olhos mais uma vez, esquecendo do Sol que queimava sua pele anunciando mais um começo de dia.
Um dia que se perdia no meio de tanta aflição. Alucinação...

sábado, 16 de junho de 2018

O que não é

Determinado de tudo o que queria
E todos os passos andados
Toda a vida perdida
Ele se embalava em lembranças
De como tudo era perfeito.
De todas as tardes de verão sentado na areia
Sonhando sonhos até então impossíveis.
Havia um gosto de aventura
De querer mais
Escondido em seu peito cheio de vida.
Ele era ar
Que se dissipava no primeiro suspiro da manhã gelada de inverno
E seu coração era quente como chama
Era um misto de ficar e partir
Amar e ser livre.
Havia tanto ainda para entender não só do mundo
Mas de si mesmo
Havia tanto para se viver. 
Havia tanto a perder...
E o medo de se achar e se perder
Ele amarrou seus pés na areia gelada
Contemplando mais um por do sol
Com pensamentos soltos do que poderia ter sido

Daquilo que nunca foi...

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Sem olhar pra trás


Pensamentos soltos pelo ar escondidos no fundo dos seus olhos azuis. Ela contemplava o mar enquanto tentava entender tudo o que viveu até então. Um misto de tristeza, saudade e questionamentos sobre o que teria acontecido. Se naquela noite sem fim eles tivessem se dado as mãos. Se ele tivesse pedido a ela um pouco de paciência, até que as coisas se acalmassem em seu peito. 
O passado, até então desconhecido, era um misto de incerteza do que teria acontecido e certeza das escolhas que ela fez. 
Havia tanta dor no brilho dos olhos dele, de quando um acidente lhe tirou tanto, em tão pouco tempo. Ele só tinha 15 anos e ela só tinha o peso de não ter compreendido. Ou compreendido demais a ponto de assustá-lo. 
Assim como eles se conheceram despretensiosamente num domingo qualquer, eles deixaram de se falar. 
E ele deixou de se importar. 
Enquanto a lembrança da joia que lhe era preciosa ecoava no peito dela e manchavam o seu semblante de arrependimentos. 
O desconhecido do mundo dele, rodeado de pessoas que ela jamais entenderia, a assustava. Ela só queria fugir. 
Apenas queria deixar de sentir que não pertencia àquele lugar. 
Ao passo em que queria que ele lhe abraçasse forte e não a deixasse ir. Que lhe segurasse as mãos e pedisse um pouquinho de paciência. Um pouquinho de tempo.
Para que as feridas em seu peito cicatrizassem e ele pudesse entender o sentido da vida, o sentido de tudo. 
E parasse de se culpar pelo passado, pelas escolhas erradas, pela vida desfeita. 
Ela era tudo o que lhe faltava e completava.
Era um misto de querer e não querer. 
Um coração cheio de vida que sabia tão pouco, que não merecia estar ali. 
Ele era toda a dor do universo em um sorriso frio, como se aquilo pudesse lhe esconder de tanta culpa. 
Trazendo alívio nas primeiras horas da manhã enquanto fugia sem olhar para trás... 












quinta-feira, 26 de abril de 2018

Apenas sendo



Ele era calmaria. Ela era a tempestade. Ele só queria estar ali. E ela queria conhecer o mundo na velocidade do pensamento, até o raiar do dia. Ele já estava cansado e só queria paz. Já ela, ela chegou para tirar essa paz. Eles eram tão diferentes, mas tão iguais. Uma conexão que extrapola a razão humana, que deixa tudo em câmera lenta. Em outro dia, outra época, outro lugar, tudo pudesse acabar diferente. Tudo talvez pudesse fazer sentido... Ele queria. Ela queria. Eles sabiam... Não podiam!

E se perdiam dia após dia, brincando de não fazer sentido. Ignorando a presença que incomodava, deixando dúvidas pelo caminho. Se ele soubesse? Se ela soubesse? Sorrisos no olhar, as vezes em que ele se pegou olhando para ela, talvez tentando entender a tempestade que enlaçava seus pensamentos. Tentando apenas não olhar, quando ela fingia que não percebia. Talvez esse momento fosse o mais difícil. Quando as aparências maltratavam as emoções. E quando os olhos se encontravam...

Fingindo que não se notavam, escondendo tantos pensamentos bons, eles se perderam e se encontraram dia após dia, numa montanha-russa de sentimentos. Amizade, admiração, desprezo, escondendo o elo que os unia. Sendo calmaria ou tempestade. Sendo amor ou ódio. Apenas sendo...
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