domingo, 28 de junho de 2015

Era uma vez...


Após tantos sonhos ruins e pesadelos, acreditou numa vida onírica.
Voltando a infância, via sapos se transformarem em príncipes.
E num final feliz para sempre, depois do “era uma vez...”.
O que pensara que era verdade, seu dogma, era somente um dogma.
E suas palavras cruéis e sem sentido, lhe trouxeram a realidade.
Mordaz e ferino, envolto e envolvido nas inverdades e maldades,
Levaste-a para um mundo que já conhecia um déjà vu.
Alquebrada pelo inesperado, pelo incompreendido,
Viu-se vagando por campos desconhecidos...  estéreis.
Sozinha, maltrapilha de sentimentos, inerte as intrigas,
Introvertida na sua dor, observava seus santos de barro.
Pouco a pouco, irem ruindo numa pilha de pó amorfo.
Eram tantas as perdas, tantos amores traiçoeiros.
Que o que era uma pilha se transformou num monte e,
Este monte numa montanha, até cobrirem toda sua visão.
Cega, caminhava sem saber para onde ir, tateando esperanças.
Acordaria! Fora só mais um desatino de um amor enlouquecedor.
Mas quando acordou, o viu nos braços de outra e quis morrer.
Suas lágrimas ainda corriam por sua face e ele já nem lembrava seu nome.
Era um passado tão presente dentro de si, tão ardente na sua paixão,
Mas era só um passado, sequer lembrado com palavras brandas.
Ria-se dela com desdém, humilhava sua dor publicamente.
Tudo o que fizera não fora o suficiente, queria destruí-la por completo.
E ela sem conhecer o seu próprio pecado, olhava-o com compaixão.
Perguntava-se o porquê, o que fizera para lhe causar tanto ódio?
Causava-lhe pena vê-lo assim sem sentimentos, sem nunca ter amado.
Tal qual Narciso, só via a própria imagem e por ela se apaixonou.
Toda sua afeição era dirigida a si próprio, senão era descartada.
Pessoas e amores eram facilmente substituíveis, quando lhe convinha.
Só conhecia suas próprias dores, que sequer eram dores.
Tinha um dicionário próprio aonde colocava e retirava palavras.
Considerava-se um paradigma e como tal, tornara-se um tirano.
Ela, aos longos dos anos, foi descobrindo tudo isso,
Mas, paradoxalmente, ainda o amava intensamente.
E imagina-lo em outros braços, outra cama, outro amor,
Torturava lhe dia e noite, num contínuo sofrer desesperado.
Encolhida em seu pesar, só pedia para despertar e vê-lo ao seu lado.
Aí, com mansidão, tocaria seu corpo adormecido e o beijaria lentamente.
Sorriria para si mesma lembrando-se de seu devaneio surreal.
E voltaria a dormir aconchegada em seus braços.
Mas o seu maior desespero era saber-se acordada.

Escrita por Carmen Mattos

 

A Dor do Coração


Ela olhava, desolada, para o coração entre suas mãos.
Como o tratara mal! Como o machucara tantas vezes!
Envolvido em sangue, já quase sem forças.
Lágrimas escorriam de seus olhos e respingavam sobre ele.
Em movimentos centrífugos, formavam ondas incertas.
Sequer podia acaricia-lo, ele não a perdoava.
Ela era a culpada de todo o seu sofrimento, dos martírios.
Fizera escolhas erradas, ferindo-o de forma letal.
Havia cicatrizes antigas, já quase apagadas.
Havia cicatrizes recentes, doídas, sangrentas.
Havias aquelas que só gotejavam, havia as que jorravam.
Pedia-lhe perdão e ele lhe respondia no compasso da sua dor.
Via um ferimento profundo, feito a ferro e fogo.
Que como cachoeira, escorria entre seus dedos,
E caia retumbante no chão frio da insensatez.
A sua volta, havia outros ferimentos menores,
Estes escorriam com maior descrição, silenciosamente.
E qual destes iria fazer com que ele silenciasse?
Ela não sabia, pois todos eram mortais.
Um o faria morrer instantaneamente, os outros lentamente.
Ou, por vingança, ele a faria padecer tanto quanto ele,
Deixando-a em agonia por tempo demais?
Queria traze-lo de volta ao peito e com cuidado, agasalha-lo.
Mas ele não o permitia, queria vê-la a olhar-lhe impotente.
E a cada lagrima sua, mais fraco ele pulsava e mais rápido batia.
Ele já a perdoara tantas vezes, já lhe dera tantas chances.
Agora não mais. Nunca ela o ferira de forma tão vil.
A faca que o transpassava era a maior de todas as infringidas.
Olhava-o e dizia-lhe: também sofro.
Ele impassível, estava imune a dor de seu algoz.
Perdera tanto! Perdera tantos! Perdera tudo!
Restavam-lhe apenas duas mãos, envelhecidas, a lhe segurar.
Elas não poderiam, jamais, lhe restituir as perdas.
Cabia-lhe faze-la compartilhar seu padecimento,
Até o momento final, quando a tortura fosse o último suspiro.
E então, as lágrimas secariam em seu rosto escarnecido,
E seu sangue coagularia entre os dedos, sem bater no chão.
E nesse momento, só nesse momento, seu coração a perdoaria.

Escrita por Carmen Mattos


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