terça-feira, 27 de outubro de 2015

MÃOS

Ela lembrava-se, nitidamente, das suas mãos tão grandes.
Sentia-as deslizando, carinhosamente, pelas suas costas.
Não eram macias, nem mesmo bonitas, mas muito suaves.
Ela fechava os olhos e saboreava extasiada aqueles abraços.
Eram momentos únicos, lúdicos, que queria ser infinitos.
Aos poucos, sem que ela soubesse a causa, foram rareando.
E ela foi se sentindo perdida, sem respostas as suas perguntas.
Sua alegria foi se esvaindo, esqueceu como era sorrir e brilhar.
Já não ouvia música, nem apreciava as coisas belas a sua volta.
Não via mais o corpo dele como fazendo parte de seu corpo.
Assim ela foi se afastando mais e mais daquele a quem amava.
E tudo começara pela falta do toque das rudes mãos dele.
Mesmo assim, ela tentara desesperadamente, tê-lo de volta.
Foi sua companheira, solidária em seus medos e sofrimentos.
Sonhou seus sonhos e fez com que tivesse coragem de sonhar.
Envolvia as grandes mãos com as suas mãos de forma suave.
Em forma de concha e elas se alinhavam em total perfeição.
Toda a felicidade ali contida e não fugiam por entre os dedos.
Palavras ríspidas, críticas irônicas e o desmazelo com o amor,
Faziam com ela se sentisse a cada dia menor e mais distante.
Por vezes queria ser invisível, mas nada falava e só o olhava.
Chorava no chuveiro e deixava suas paixões irem-se pelo ralo.
Todo o abandono em que se encontrava, com ninguém dividia.
Sofria sozinha no descaso da ausência daquele a quem amava.
Um dia, ele afastou suas mãos da dele e ela tropeçou na dor.
Desconcertada com o paradoxo daquilo tudo, calou-se de novo.
Poucos dias antes, dissera-lhe que iria mudar e viver de amor.
Olhou-o sem entender nada e nada ele lhe disse nessa hora.
Foram dias intermináveis e noites com a alma desassossegada.
Então, virou as costas e saiu regando a terra seca com seu pranto.
Não olhou para trás, para todas as ilusões e esperanças ali deixadas.
Seguiu em frente, trôpega e vacilante por um caminho de pedras.
Levou consigo as mãos que envolviam mãos, agora, desprotegidas.
E assim, pouco a pouco, tudo foi caindo pelo vão dos rudes dedos.
A cada dia, algo se perdia para sempre como perdera o amor dela.
Sozinho, no meio do nada, via seu mundo se despedaçar lentamente.
Já não havia mais cor ou perfume, até sua sombra o abandonara.
Pensara em ter uma vida inesquecível ao lado de outras pessoas.

Mas inesquecível, foi somente a ausência daquela que lhe dava luz.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

LÁGRIMAS NEGRAS

 
Despida de tudo, eu olhava nos teus olhos, enquanto falavas.
Lágrimas negras escorriam pelo meu rosto pingando no lençol.
Falavas com a voz calma de quem conta uma história de ninar.
Não mostravas nenhuma emoção, meu pranto te era indiferente.
Fechei meus olhos para não ouvir tuas palavras cruas e ferinas.
Um gosto amargo subiu-me a boca, calando as dores com teu fel.
Levantei-me com mãos tremulas e pernas errantes para o nada.
Dei-te as costas, escondendo toda a amargura que de mim exalava.
Com dificuldade, fui vestindo-me com as roupas jogadas no chão.
Falaste para eu ficar. Era madrugada, chovia e estava muito frio.
Não viste o sorriso que te dei como resposta, nem o soluço mudo.
Como poderia deitar-me ao teu lado, sobre as mágoas derramadas?
Sem te tocar e sem sentir o calor que resistia ao vento da mentira?
Tantas foram às vezes que declaraste teu amor e de tantas formas.
Com tantas falsas ilusões preenchestes meus dias e minhas noites.
Não, nada restava de mim naquele lugar, exceto meu coração ferido.
Entrei no carro, sem saber o caminho de volta, fui andando sem rumo.
A névoa, a chuva e as lágrimas se misturavam de forma harmônica.
Assim perdida, na madrugada escura, fui achando-me dentro de mim.
E ao encontrar-me, vi que nada fora e que nada era senão um jogo.
O desatino da minha fragilidade me fez uma presa fácil em tua teia.
Horas se passaram até encontrar o caminho para minha segurança.
Ingenuamente, pensando estares preocupado, liguei-te para avisa-lo.
Mas tu dormias talvez o sono dos justos ou o sono dos apodrecidos.
Estava amanhecendo, tudo era silencio, nenhum pássaro estava a voar.
Joguei-me na poltrona e pude então chorar o que ainda restava de dor.
Pouco depois, os sabiás começaram a cantar anunciando um novo dia.
E eu, insone, levantei-me para viver a Lei da Vida ou a Lei da Selva.





domingo, 25 de outubro de 2015

BONECA QUEBRADA


Desculpe-me, mas, eu não te perdôo.
Desculpe-me, mas tua traição doeu demais.
Desculpe-me, mas as lembranças de tudo que fui para ti
Não permitem que as minhas lágrimas sequem
Desculpe-me, mas eu te amei demais
Hoje sei que foi amor jogado ao léu
Desculpe-me, mas no meu total desapego
Creio que não deveria ter te cuidado
Não deveria ter enxugado tuas lágrimas
Sentado no chão brincando de boneca.
Ter beijado teus machucados
Compensado o desamor de teus pais
Com meu amor imensurável
Desculpe-me, mas já não tenho nenhuma piedade por ti
De tuas inúmeras horas de sozinhez
Quando brincavas de abandono
Queria poder voltar atrás e te deixar no escuro
Assustar-te com o bicho papão
Rir-me de teus desalentos
E não te dar a mamadeira que a tua mãe não amamentou.
Hoje o mundo girou e na gira deste mundo
Tu ficastes na escuridão da minha vida
E de lá nunca deverás sair.
O tempo passou, fui mãe de verdade
Fiz-te irmã das minhas filhas
Dei-te um lar
Dei-te carinho
Dei-te o mais doce de mim.
O tempo passou, hoje és mãe.
Tens filhas
E dá a elas o amor que aprendestes comigo
Fui a única professora que tivestes, na arte de amar
Tudo que sabes aprendestes comigo
Mas, agora estou te ensinando o desamor.
Desculpe-me, mas as lágrimas que caem da minha face
São as mesmas lágrimas que caem das faces das minhas filhas
Que um dia foram tuas irmãs porque assim eu queria
E também são as mesmas lágrimas
Que um dia verei escorrer dos teus olhos
E pingarão naquelas que hoje amas.
Desculpe-me, mas não há perdão para a ingratidão.
Desculpe-me, mas te nego o direito de usar o amor que te ensinei.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

MULHER MENINA


Eu estava tão feliz, como há muito não me lembrava.
Aí vocês chegaram, sem qualquer aviso, nenhum sinal.
Primeiro vieram silenciosamente, quase sem se notar.
Borraram a maquiagem, tornando negro meu rosto.
Depois, sem serem contidas, ocuparam todo meu ser.
Vieram de dentro da alma acompanhadas pela dor.
Era uma dor lacerante que ia me cortando por inteiro.
Achei não haver mais nenhuma, então, a ser chorada.
Já tanto chorara; foram meses a fio a me acompanhar.
E tu me prometeras nunca me magoar, nunca me ferir.
Tu que as tinha secado com seus lábios e seus carinhos.
E eu acreditei e me fiz frágil, tirando todas as armaduras.
Despi-me da muralha que havia erguido a minha volta.
Fiz-me menina outra vez e te fiz meu sonho de felicidade.
Mas tu tiraste de mim a esperança de crer no sentimento.
Em todos os sentimentos que poderia um dia vir a sentir.
Não desejo mais saber o gosto do beijo em meus lábios.
Não quero que toquem em meu corpo mãos carinhosas.
Sequer quero olhares ou sorrisos que possam me encantar.
Quando estava na beira do abismo, tu me puxaste para ti.
Alojastes-me em teus braços, protegendo-me de todos.
E ali fiz minha morada, sentindo-me segura no teu abraço.
A tua voz era macia e embalava-me para dentro de mim.
Assim, voltei a florir com mil cores e infinitos perfumes.
Acalmaste meu coração com o som de pássaros invisíveis.
Deitaste meu corpo no gramado onde moram as ilusões.
Num determinado momento, todo o cenário foi destruído.
Novamente vi o sangue brotar de meu peito e assustada,
Vi que eras tu que me ferias, de forma desleal e traiçoeira.
As lágrimas eram o reflexo de toda minha tola ingenuidade.
Eras o punhal a me ferir no exato local que havias curado.
Estupefata, te olhei sem entender nada do que se passava.
Esperei que me abraçasses e me pedisses para ficar do lado.
Mas foi o teu silencio o que ouvi, e então saí na chuva sem ter destino.
E a chuva, a névoa e as lágrimas se misturaram a todo o meu lamento.
E assim voltei, exatamente, ao ponto de onde um dia havias me tirado.




quarta-feira, 14 de outubro de 2015

MINHA PRINCESA

Minha filha, quando ouvi teu primeiro chorinho, na hora em nasceste,
Meu primeiro instinto foi envolvê-la entre meus braços e protege-la.
Mas era o choro de uma vida que começava para alegrar minha vida.
Quando te olhei, tão pequena, pensei que meu amor não caberia ali.
E desde então eu venho te amando de forma imensurável e infinita.
Sonhei em ser teu príncipe encantado até teres o teu próprio príncipe.
Sonhei tantas coisas para nós dois, sonhei tantos amores só nossos.
Sonhei, sonhei e sonhei então a vida nos pregou peças não sonhadas.
E eu te fiz chorar, não o choro que se iniciava e sim o que terminava.
Acertei muitas vezes, errei outras tantas, mas nunca errei em te amar.
Em todos estes anos de caminhos errantes por onde passei e segui.
A única certeza que sempre tive, foi que sempre seria a minha menina.
Entre erros e acertos, fiz o meu melhor e o meu melhor foi muito pouco.
Conheço tuas mágoas, teu pranto e as feridas que causei em tua alma,
Conheço porque são as minhas mágoas, o meu pranto e minhas feridas.
Sem qualquer aviso, o teu herói, teu príncipe se transformara num sapo.
E impotente, eu não poderia te proteger das chagas que eu abrira em ti.
Eu te peço perdão, minha filha, pelas vezes em que roubei o teu sorriso.
Peço-te perdão pelas noites que passaste insone coberta pelas lágrimas.
Não te peço que entendas, mas te peço que aceites as minhas falhas.
Porque de todas as coisas que fiz, a única imutável é meu amor por ti.
E nesse amor indescritivelmente imenso, te abraço e te beijo todo dia.
Não poder tocá-la, ouvir tua voz, tua risada gostosa, é um sofrer sem igual.
Compreendo que também sofres por todo o sofrimento que te fiz passar.
Sei que vestiste uma armadura para te protegeres de mim e dos danos,
Mas saiba que tua indiferença e tua ausência mascararam minha face.
Impedindo que vejam em meu rosto o desconsolo que a tua falta me faz.
Para mim, as horas passam rápidas e cada dia é menos um dia que vivo,
Na esperança de te ter no meu colo, como quando era a minha menina,
E com um beijo curar os aranhões e machucados em teu frágil corpinho.
Hoje são feridas no peito, chagas que nunca cicatrizam e que sangram.
Mas eu ainda tenho a esperança de te ter no meu colo e secar teus olhos.
Sentir teus braços enlaçarem meu pescoço, ser teu herói por mais um dia.
Eu nunca quis errar contigo, nunca quis te machucar, nem te ferir assim.
Mas sei que o fiz e por isso, minha eterna princesa, eu peço o teu perdão.



domingo, 11 de outubro de 2015

CIDADANIA ROUBADA


 
Ele olhava as lanternas do carro se afastarem com seu brilho vermelho.
Dobrou na primeira esquina à direita e depois sumiu na escura noite.
Não havia ninguém na rua, só o vento frio e um chuvisco a lhe molhar.
Olhou o relógio na torre da Igreja e os ponteiros estavam no 10 e no 4,
Não sabia ao certo que horas eram, mas com certeza já era bem tarde.
No rosto tinha um largo sorriso que há muito não sorria, por falta de ser.
Tinha os olhos inundados de lágrimas que vinha armazenando faz muito.
E aos poucos, sem permissão, elas foram fugindo pelo rosto emagrecido.
Como um rio lamacento, passavam carregando toda uma vida corroída.
Com o dorso das mãos desviava seu caminho formando linhas brancas,
No rosto sujo de poeira, solidão e humilhação da sua condição indigente.
E assim ia se formando um desenho surreal e abstrato de rara beleza.
Ali, em pé, na fria noite de abandono olhando o que já não via, estava ele.
Caricato dos desmazelos de uma história sem destino, no riso desdentado.
Seu coração acelerado queria pular do peito e dançar enlouquecidamente.
Ela parara o carro e lhe pedira informações, com a voz suave e educada.
Nos seus olhos não havia medo ou desprezo, só o fitava pedindo ajuda.
Percebera, de imediato, que era uma senhora fina de palavras bonitas.
E o tratara como, já não lembrava a quanto tempo, fora um dia tratado.
O receio que esperava dela, tomou conta de si e gaguejava ao explicar.
Surpreso que estava por aborda-lo assim tão de repente, sem avisa-lo.
Sequer olhou para a coberta que lhe envolvia o corpo, na falta de casaco.
Agia naturalmente e perdida pedia ajuda a quem sempre estivera perdido.
Explicou-lhe diversas vezes, tamanha era a emoção de sentir-se alguém.
Ela agradeceu e se foi na noite, sob o olhar entorpecido de um nada.
Ela foi adiante, em direção ao seu destino, sem saber o que se passava.
Ele deitou-se em sua cama de papelão, puxou seus lençóis de jornal e,
Como há muito não fazia, agradeceu a Deus pelo anjo que ele lhe enviara.
Sem asas e sem auréola, mas que o tratara com a dignidade já perdida.
Dormiu feliz, sonhou com as lanternas do carro se afastando lentamente.
Por uma noite foi feliz e por uma noite sentiu-se parte da humanidade.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

TALVEZ


A cama estava tão grande! Não, ela não aumentara em nada.
Era a tua ausência nela que me fazia acha-la assim enorme.
Olhava para o lado, onde deveria estar o teu corpo deitado,
E nada havia para que eu pudesse acariciar com minhas mãos.
Teu corpo colado ao meu, em perfeita e fantástica harmonia.
Teu ressonar profundo que ia se acalmando com meu abraço,
Até se tornar um leve respirar calmo e tranquilo na noite fria.
E eu ficava a te olhar, velando teu sono com olhos de paixão.
E assim, passado um tempo, dormia ao teu lado serenamente.
Vez por outra te mexias, te afastavas e sem mesmo acordar,
Puxavas-me para junto de ti, para ficar envolto no meu amor.
Sentias-te seguro como um menininho nos braços maternos.
Sentias-te seguro como um homem nos braços da sua mulher.
Sentias-te seguro como um pássaro a voar livre pelo céu azul.
Não sei se como menininho, como homem ou como pássaro,
Foste-te para bem longe, livre das amarras dos nossos corações.
Meus olhos já não te alcançavam e não ouvias meus lamentos.
Mas não fui a tua procura, não mais o faria. Deixar-te-ia solto.
Para que buscasse outros amores em outros lugares quaisquer.
E entre lençóis amassados, tu me encontrarias na hora da volta.
Deitarias na cama grande, como se dela nunca tivesses saído,
Puxaria-me para junto de si, sem saber ao certo quem era eu.
Verias os sulcos, formados em meu rosto por todas as lágrimas,
Que foram choradas enquanto andavas livre pelo teu mundo.
Fingiras não notar e com teu rosto maroto, sorririas para mim.
Talvez eu te sorrisse de volta ou talvez encontrasses só lençóis.
E no emaranhado da cama desfeita, tu ficarias a nos procurar.
Porem, a tristeza e a solidão, transformara o nós em tu e eu.
Teus olhos já não me alcançariam e não ouviria teus lamentos.
Sairias a minha procura, de forma alucinada por todos os lugares,
Sem nunca conseguir me encontrar, a não ser no teu passado.
No mesmo lugar aonde me deixaras um dia, sem nem um adeus.
Galopando sobre o lombo de uma loba, havia refeito meu caminho.
E nesse novo caminho não havia mais espaço para ti junto de mim.
Entretanto, poderia ser que me puxasses e lá me encontrasses.
Por ter te esperado na certeza que um dia, cansado, voltarias.
E meus braços te envolveriam como a volta do filho pródigo.
Prepararia uma festa, mataria um carneiro e convidaria a todos,
Anunciando a tua volta, arrependido e pedindo o meu perdão.
Meu coração borbulhando de paixão esqueceria o tempo ausente,
E continuarias meu menino, meu homem e meu pássaro errante,
O tu e eu nunca desfeito, seria o nós agora para todo o sempre.
E a cama grande teria o exato tamanho para ocupar nossas vidas.




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