domingo, 27 de setembro de 2015

MEU HOMEM

Quero abrir os olhos, ao amanhecer, e te ver antes de tudo.
Aproximar-me de teu corpo adormecido e tocar teus cabelos.
Arrastar-me por entre os lençóis que cobrem nossos corpos,
E pé ante pé, sair do quarto de mansinho para fazer teu café.
Quero ver teu sorriso, quando de volta beijar tua sonolência.
Meio preguiçoso, me abraçar e me puxar contra o corpo teu.
Ver-te olhar o relógio e saber que há tempo para se demorar.
Vou rir desse teu jeito de menino e embaralhar teus cabelos.
Irás sorrir de volta e beijar meu ombro desnudo da camisola.
Vou segurar tuas mãos e te tirar da cama, fingirás resistência,
Só para poder jogar teu corpo contra o meu, me cambaleando.
Irás para o chuveiro cantar uma canção desafinada, sem ritmo.
Balançarei a cabeça e pensarei feliz que esse é o meu homem.
Sentarás a minha frente, com a toalha enrolada na tua cintura,
Cabelo molhado a pingar na mesa e me dará uma piscada.
Serviras-me o café e te cortarei uma fatia de bolo com glacê.
Enfiarás teu dedo na cobertura e depois pintarás meu nariz.
Farei uma careta de zangada e me olharás com cara inocente.
Levantarás e lamberás o branco do meu rosto de forma marota.
Balançarei a cabeça e pensarei feliz que esse é o meu homem.
Lavarás a louça dançando um Ula Ula, enquanto tomo banho.
Arrumo a cama dos nossos segredos, e tu colocas um CD na sala.
Galantemente, vem ao quarto me buscar para a dança matinal.
Os pés descalços, a toalha na cintura, o peito nu, como resistir?
Colados um ao outro, a música suave e o doce balançar da pele,
Faz-nos sentir únicos em todo o universo e único somos, para nós.
Balançarei a cabeça e pensarei feliz que esse é o meu homem.
Ao fim da música, farás uma reverência para depois me beijar.
Sairás sorrateiramente e voltarás vestido, penteado e sorrindo.
Enquanto eu te espero, sentada no sofá ouvindo outras músicas.
Pegaras-me pelas mãos e de mãos dadas, iremos andar pela praia.
Vez por outra, me puxarás contra ti, só para sentir meus lábios.
Balançarei a cabeça e pensarei feliz que esse é o meu homem.

SÓ UMA PALAVRA



Os lençóis dançavam ao sabor do vento brando da sexta feira
E o cheiro de alfazema que deles exalavam, espalhava-se no ar.
No varal, as roupas recém-lavadas esperavam pela sua chegada.
Ele corria de um lado para o outro, com vassouras, panos e sabão.
Tudo tinha que estar perfeito para o momento da chegada dela.
Faltavam três dias, mas não queria deixar tudo para última hora.
Mesmo porque, o final de semana seria de outra cama e braços.
Mas seu pensamento estava preso aquele encontro tão desejado.
Tinha os passos planejados em sua cabeça e nada sairia errado.
Cada detalhe fora visto e revisto centenas de vezes, a exaustão.
Agora só faltava que ela chegasse e ele pudesse tê-la com paixão.
O fim de semana foi de olhares disfarçados para o relógio no pulso.
Estava inquieto e nem os carinhos recebidos a tiravam do pensar.
Ansiava por aquele encontro como um adolescente apaixonado.
Queria uma, queria outra, sem nunca decidir a qual queria mais.
Mas a sua casa, nunca levara alguém assim de forma tão especial.
Ali era seu refúgio, seu reino, seus esconderijo, mas ela iria até lá.
E por uma noite, seria sua rainha, a mulher que o fazia despertar.
Saiu apressadamente do trabalho, comprou doce e quitandas,
Arrumou a mesa, arrumou a cama, colocou seu melhor sorriso.
Tentou, em vão, aquietar seu coração acelerado pelo inesperado.
Sentou-se no sofá, olhou ao seu redor e tudo estava quase perfeito.
Só faltava ela chegar e com sua simples presença, trazer música e luz.
Já deveria ter chegado, será que havia se perdido? Ele iria busca-la.
Pegou o telefone e discou seu número. Ele tocava insistentemente.
Ela sentada em sua poltrona, desviara o olhar do além para o telefone.
Lágrimas solitárias desciam pelo seu rosto ao ouvir aquele barulho.
Ele ligou uma, duas, três... dezenas de vezes sem parar, sem trégua.
Ela impassível, já não ouvia nada além do som de seu silencioso pranto.
Já era madrugada, a chuva fina a congelava, e ele não desistia e insistia.
Se ele soubesse como aquilo tudo era doloroso, como fora difícil ficar.
Se ela soubesse como aquilo tudo era doloroso, como era difícil esperar.
Se ele soubesse como era pouco o que ela lhe pedia, mas ele sabia sim.
Se ela soubesse como era grande o medo em seu peito, mas ela sabia sim.
E assim sentados solitários, cada um em seu reino, viram o amanhecer.


MEU VIVER



Se um dia me encontrares a chorar pelas ruas ou pelos cantos,
Não tenha pena de mim, se sentires vontade, dê-me um abraço.
Podes encostar minha cabeça no teu peito e afagar meus cabelos.
Mas nunca, jamais tenhas pena de mim porque eu sou guerreira.
E guerreira, meu amigo, pode chorar, mas nunca abaixa a espada.
Se me vires perambulando sozinha pela estrada, trôpega e sem rumo,
Não me perguntes para onde eu vou, pois meu caminho é incerto.
É o destino quem o faz, por mares profundos e céus azuis turquesa.
Ando por terras áridas, vales floridos e montanhas de duras rochas.
Se de meus olhos saírem faíscas, não queiras saber de onde vem o fogo.
Ele vem de dentro de mim, da chama que nunca se apaga sem queimar.
Se caída eu estiver e me veres sem força, alquebrada pelo infortúnio,
Pelas mazelas de uma vida de lutas infindáveis, olhe-me com orgulho.
Pois se caí, foi em batalha e nunca por tropeçar em pedras jogadas.
Se de minha frágil boca ouvir um ensurdecedor urro a ecoar no tempo,
Saiba que meu território foi invadido e preparo-me para defendê-lo.
Fazendo do meu corpo um exército, sem medo ou compaixão inútil.
Se estiver a sangrar em abundância e temeres por minha vida, cala-te.
Deixe-me terminar o que vim para fazer, com a honra de uma rainha.
Vestida em minha armadura, com a espada em punho, sou destemida.
Se uma adaga penetrar em meu peito e perfurar meu coração audaz,
Olharei com desdém e a um só golpe a arrancarei de dentro de mim.
Mostrando outras cicatrizes de iguais feridas de mortes mal matadas.
Se mesmo assim, conseguirem me prender em suas grotescas mãos.
Lembre-se que sou areia fina, escorrerei por entre seus fétidos dedos.
Se em cinzas quiserem me transformar, serei Fênix eterna no renascer.
Só uma coisa te peço, amigo, por mais dor que minha dor te cause,
Nunca tenha piedade de mim, pois em minhas veias corre o sangue,
Daqueles que nunca se quebraram diante de nada ou de ninguém.
E piedade, amigo, é destinada aqueles que já tudo perderam na vida.
E eu nada perdi, em tempo algum, algo que não fosse realmente meu.
 

                                                                                                                   

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

AOS QUE MUITO AMEI



Tantos dias se passaram. Foram horas de agonia e sofrimento.
Pensei que nunca me libertariam e agora vejo amarras no chão.
Perdi tantas coisas, tantas pessoas, amores e ilusões sem fim.
Quase tudo foi recuperado, exceto pessoas que muito amei.
Mas que hoje não me fazem mais falta, pois perdidas estão.
Eu tinha um jardim lindo, que cuidava com esmero para mim.
E quando fui fazer a colheita, vi entre elas urtigas que plantei.
Pensando serem flores adubei, cuidei, e as perdi sem lamento.
Quando as olho assim pequenas um sorriso brota em meus lábios.
Pobres seres desnudos de sentimentos nobres  vagar ao léu.
Desconhecem o que as esperam quando as cortinas se fecharem.
Desdenharam o que de melhor havia em suas medíocres vidas.
Negociaram um carinho sincero e honesto que as levantava ao céu.
Envolvidas por palavras ditas como se fossem conselhos de sábios.
Eu espero, pacientemente, quando sua necessidade se acabarem.
E sem mais terem qualquer serventia, voltarem as suas escuras lidas.
Como marionetes num teatro de faz de conta, foram somente usadas.
Manipuladas sem pudor, para alcançar um resultado mesquinho.
Sem terem mais a quem recorrer, entenderão que foram enganadas.
Pois nesse jogo de vai e vem, não encontrarão mais qualquer carinho.
Tudo terá se acabado como numa festa em que se desliga o som.
Sozinhas, desamparadas, arrependidas, sem da vida encontrar o tom.
Olharão para trás a minha procura, alguém que as amou de verdade.
Mas estarei tão longe, tão distante que só me encontrarão na saudade.
Pois quem nasceu para ser urtiga, nunca conseguirá ser uma bela rosa.
Mesmo que, por um tempo  curto, sejam cantadas em verso e prosa.
Com tristeza, sofri por estes amores que se perderam no tempo.
Até que vim a perceber que quem me aquece é o sol e não o vento.
Adeus pessoas a quem muito amei, com toda a minha alma pura.
Procurem como eu tive que procurar, sozinha, sua própria cura.
E não me peçam que tenha compaixão, nem se digam arrependidas.
Pois com muitas lágrimas eu as pranteei e elas já foram perdidas.
Foi com elas que, dolorosamente, tratei e cuidei as minhas feridas.
E as cicatrizes que trago no meu corpo é fruto das minhas caídas.





sexta-feira, 18 de setembro de 2015

IMAGEM NO ESPELHO


Ela olhava com tristeza para os papeis escritos, a sua frente.
Tantas mentiras, tantas coisas ditas que reavivaram as dores.
Onde estava aquela pessoa tão íntegra, tão honesta e boa?
A pessoa por quem se apaixonara perdidamente era outra.
Eram folhas e mais folhas a escorregarem de suas mãos e,
Em nenhuma delas, sequer nas vírgulas, havia uma só verdade.
Lágrimas de exaustão do querer saiam de seus olhos perplexos,
E caiam sobre aquelas palavras doloridamente infames, cruéis.
Ela já sofrera tanto! Tantos dias e noites abraçadas à angústia!
Sabia que agora tudo recomeçaria, machucando-a de novo.
As feridas ainda em cicatrização voltaram a verter sangue.
As chagas se abriram e podia ver-se dentro delas, a carne viva.
Seu corpo todo era uma massa de padecimentos alucinantes.
E ela o imaginava a olhar-se no espelho com seu jeito correto,
Sem notar que a imagem refletida era tão fétida e horrenda.
Esquecera-se de tudo com que ela lhe presenteou: sua vida.
Largou tudo e foi ter com ele, juntos, plantaram e colheram.
Mas tudo isso fora esquecido, como esquecera seu passado.
Sua memória seletiva livrava-o das culpas e erros cometidos.
E altivo, no alto da sua prepotência a olhava com desdém,
Como olhava a todos a sua volta, numa falsa cortesia fugaz.
Como será que conseguia olhar os olhos de seus filhos e netos?
Com certeza, com a sua característica soberba crendo engana-los.
E tudo era conveniente para todos, pouco se importavam com ela,
Que fora só mais uma, mas só mais uma que ousou desafia-lo.
Mas a imagem no espelho; ah esta imagem jamais mentiria,
E nela estava toda a sua vida refletida, com seus escusos atos.
Ela tentou de todas as formas amenizar, mudar essa imagem.
Enquanto esteve ao seu lado, conseguiu faze-lo mais doce.
Mas quando ele se voltou contra seu anjo, perdeu a bondade.
E ela expulsa, foi andando sem rumo por caminhos incertos.
Mas tinha em si toda a caridade de um coração inocente,
Que a acompanhavam por aonde ia, pois eram inseparáveis.
Ele ficara sem alma, pois ela era a sua alma e seu sentimento.
Agora em trapos, ela vivia com muitas dificuldades materiais,
Mas abundava em boas atitudes e conduta ilibada pela vida.
Ele, por sua vez, esbanjava seu poder econômico sem limites.
E nestes papeis em seu colo, ela via toda a sua pequenez,
Ao tentar torna-la, de forma inverídica, uma pessoa indigna.
As lágrimas eram abundantes em seu rosto, não sabendo,
Se por si, se pelas palavras lidas ou se pela imagem no espelho.





ADEUS SEM ADEUS


De mãos dadas, sorrindo com autentica alegria, eles caminhavam.
Andavam vagarosamente e faziam várias paradas, para abraços,
Beijos ligeiros e brincadeiras um com o outro de forma lúdica.
Nada perturbava a aparente felicidade dos velhos adolescentes.
Seus olhos se encontravam com ternura e o amor era evidente.
Em suas vidas multicoloridas, tudo a volta parecia cinza e sem graça.
E de um momento para o outro ele virou o rosto e soltou sua mão.
Ela pensou, no início, ser mais uma brincadeira que ele criara.
Mas ele olhou-a nos olhos num misto de desespero e medo
Estavam num vale florido que só agora ela notara e sentiu frio.
Não havia vento nem mesmo uma brisa, seu frio vinha de dentro,
Do desconhecido já passado tantas e dolorosas vezes na sua vida.
Ele desviou os olhos dos dela para não presenciar suas lágrimas.
E num instante estava correndo, subindo a serra a sua frente.
Ela tentou segui-lo, chamou por seu nome, gritou seu desespero,
Mas ele nada ouvia e seguia em frente de forma determinada.
Ela corria ofegante, tentando alcança-lo e esticava seus braços,
Sem nunca conseguir toca-lo, o via afastar-se de si cada vez mais.
Esgotada e já sem forças, parou e tentou alcança-lo com os olhos.
Ao fazê-lo, parou e o viu abraçar outros braços que não os seus.
Sentiu em seus lábios, o beijo caloroso com que eles se uniam.
Sentou-se no chão e chorou por horas, sem que eles a notassem.
E nessa posição ficou por dias e noites chorando sem consolo.
Ele a olhava vez por outra, enquanto enlaçava outro corpo.
E ela a cada olhar mais esperança tinha que ele viesse para si.
Até o dia em que viu que não poderia mais ficar nesta espera.
Mas ele continuava a olha-la e isto a prendia numa tola ligação.
Com as pernas bambas e o coração tremulo, deu-lhe as costas.
Não queria mais olhar aquele olhar amado que não a libertava.
Com o coração em frangalhos, ela começou o retorno a sua vida.
Deixou-o lá no alto, com suas escolhas e estranhas verdades.
Sozinha mais uma vez, fechou seus olhos para não ver o adeus.
Mesmo assim, o sentia a seguindo por todos os lugares aonde ia.
Sentia o calor de seus braços, ouvia o som das risadas trocadas.
E sentir era tão ou mais doloroso do saber nunca mais senti-lo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

SALTO ALTOS





Os sabiás cantavam, insistentemente, a lhe despertar.
Ela abriu os olhos, viu seu travesseiro molhado de lágrimas,
Choradas a noite, em sonhos repetidamente dolorosos.
Levantou-se amargurada, tomou um banho demorado,
Lavando todas as marcas da noite mal dormida, mal vivida.
Vestiu-se com esmero, pintou sua boca de vermelho sangue,
Calçou seus sapatos de salto altos e saiu sem destino certo.
Andava pelas ruas com um discreto sorriso nos lábios,
Olhava as pessoas que por ela passava, de forma amigável.
Tentava adivinhar suas vidas, seus penares, suas alegrias.
Cantarolando, músicas para si mesma, observava sua volta.
Jardins bem cuidados, flores por toda parte, ruas limpas.
Tudo era bonito, o ar era refrescante e as pessoas cordiais.
Vez por outra, parava frente a uma vitrine só para observar.
Nada queria, de nada precisava, nada que estivesse a venda.
Era só um ato de sua opereta um tanto sarcástica e irônica.
Entrou num café dos mais elegantes e com altivez sentou-se.
Era a única sozinha em uma mesa, sem se abalar pegou o menu.
Fingiu estar estudando-o, mas já sabia de antemão o que queria.
O garçom correu a atendê-la, antes de outros que a antecederam.
Talvez pensasse encontrar alguém numa constrangedora solidão.
Ela lhe lançou seu sorriso mais cativante que o deixou espantado.
Com segurança e sem dúvidas, ainda sorrindo, fez seu pedido:
Por favor, apfelstrudel de maçã e um cappuccino com chantilly.
Saboreou tudo com mansidão, como fosse sua última ceia.
Já na rua, lembrou-se de todos os olhares lançados, os cochichos.
Riu-se devagar e pensou que deveria fazer isso mais vezes.
Mas hoje era um dia especial, comemorava seis meses na sua casa.
Há seis meses sabia que nunca ninguém mais lhe diria rudemente:
“A casa é minha e eu quero que vás embora”. Isso jamais se repetiria.
Estava na sua casa que um dia largara e na vida deixada para trás.
A vida fora perdida, pois já não tinha forças para recomeçar do zero.
Jogara fora todo um trabalho construído ao longo de vinte e seis anos.
Mas o fizera por amor, talvez um amor ingênuo, irracional, mas amor.
Agora de volta a sua casa, abre a porta onde o silêncio a recepciona.
Encosta-se, por uns minutos nela e sente o toque frio da madeira.
Olha a sua volta, guarda o sorriso e joga os sapatos de salto ao lado.
Tira a roupa e a pendura para outra ocasião, lava o rosto tão feliz.
Veste seu pijama de desilusão e vê refletido no espelho olhos sem cor.
Talvez amanhã repita esse passeio, talvez amanhã recoloque a máscara.
Talvez depois de amanhã o faça novamente, tornando isso uma rotina.
E essa mentira tantas vezes repetida, talvez um dia se torne uma verdade.






terça-feira, 15 de setembro de 2015

SOZINHES



Uma lágrima escorreu de meus olhos, desceu pelo rosto
E lentamente foi caindo, mas antes que chegasse ao chão,
Eu a peguei e segurei fortemente em minhas mãos tremulas.
Não aguentava mais ouvir o seu retumbar no chão frio.
Era só mais uma entre tantas já choradas por dias a fio.
Nem mesmo sei se seria a última ou quantas houvera antes.
Mas esta e talvez somente esta, não seria pisada ao acaso.
Estava presa entre meus dedos doloridos e contorcidos.
O calor da minha pele a faria evaporar e quem sabe, voltar
Aos olhos meus de onde nunca deveria ter saído a passear.
Abri a mão e a vi ali a me olhar como se nada entendesse.
Sorri-lhe, um sorriso molhado, e senti-me vitoriosa por tê-la.
Havia capturado toda a dor do meu peito que ela representava.
As perdas, as decepções, as humilhações, os descasos, a ironia,
A crueldade, a ingratidão, o sarcasmo, a falta de compaixão.
Tudo estava contido nesta única e perolada lágrima brilhante.
O tempo passava e eu a protegia como um tesouro resgatado.
Outras lágrimas foram caindo a molhar-me as roupas e os pés,
Mas esta estava tatuada em minha pele como se dela fizesse parte.
Era a lembrança vívida de todos os meus lamentos insanos.
E como uma dádiva eu a mantinha presa como presa eu fora.
Ela perderia todo seu vigor como também o meu se perdera.
Secaria, desaparecendo, como o fez minha alegria de outrora.
E assim murchas e sem brilho, ninguém nos notaria na sala vazia,
Entre panos e móveis, quadros e retratos que ninguém olhava.
Éramos nós duas contra um mundo inteiro de desilusões contidas.
Sentei-me na poltrona e a trouxe para junto de mim, agasalhando-a.
Talvez assim, ela um prova concreta do meu sofrer, acalmasse a alma
Já tão cansada de nada ser e que vagava por entre paredes mudas.
Que me mostravam que nada fiz senão andar por caminhos tortuosos,
Que levaram a lugar algum além de carregar a carga que me fora confiada.
Hoje tudo é belo e ditoso, mas para mim restou uma poltrona a balançar,

Uma lágrima presa entre as mãos e esse vazio imenso que me envolve.
Quem sabe eu esteja somente sobrando nas vidas de outras vidas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

DO OUTRO LADO DO MUNDO


É noite. Chego na janela e vejo a solitária lua branca,
Que tristonha, olha para o infinito a procura do sol.
Mais um desencontro, de dias e noites sem fim.
Fecho a janela para não testemunhar essa dor.
Penso em mim, penso em você, penso em nós.
Tiro a roupa vagarosamente e visto a camisola.
Sinto o cheiro de sabonete envolvendo meu corpo.
Olho no espelho e vejo teu corpo inerte. Sorrio.
Num sono profundo, abraças o travesseiro. Sorris.
Apago a luz, envolvo-me toda no cobertor macio.
Penso ser teu corpo quem me aquece neste frio.
Puxo as cobertas para cima, mais perto do rosto,
E as fibras, delicadamente, tocam meus lábios
Num suave beijo de boa noite. Adormeço feliz.
Os raios de sol invadem, sem pudor, o teu quarto.
Acordas e me procuras mas não estou ao teu lado.
Levantas, olhas ao redor e só me encontras, perdida
No sonho que embalou teu dormir por toda a noite.
Desapontado, vestes um sorriso e vais para o trabalho.
No carro sentes o meu perfume, mas não estou ali.
Em meu sonho brinco com teus cabelos, em carícias.
Ergues a mão a procura da minha, sem encontrá-la.
Lembras que estou perdida na noite do teu dia.
Velas meu sono e habitas os sonhos que são teus.
Anoitece, olhas pela janela e vês a solitária lua no céu.
Vestes teu pijama, olhas no espelho e vê meu corpo
Que adormecido, se sente envolvido pelo teu corpo.
Deitas para sonhar comigo, enquanto velarei teu sono.
Ao acordar com os raios de sol e me queimar a pele.
Sem nos encontrarmos, sem nunca nos separamos.
Como o sol e a lua a se complementarem na solidão,
De dias e noites infinitas, numa dolorosa magia onírica.

sábado, 5 de setembro de 2015

NUMA NOITE



Mais uma noite dolorosamente silenciosa.
E nessa mansidão perco-me no nada.
Escuto sons nunca dantes ouvidos
É mais uma ilusão, de toda misteriosa.
Assim sozinha, minha triste alma vaga.
A ouvir lamentos, dores e gemidos.

Por que teimo em deixar-me chorar?
Se a brisa que me envolve me acalenta.
E sem ter resposta, envolvo-me em mim.
Por onde anda meu corpo a se acabar?
Em que esquinas da vida se lamenta,
Já tão pobre desse amor que não tem fim.

Nada peço desta vida que me fez ninguém.
Só te peço para que minha lucidez já banida,
Me estenda a mão e me ajude a levantar.
Não sonho mais, nem desejo ser seu bem.
Sei que serei para sempre a tua bandida.
E de tanto saber já aprendi não me importar.

Queria tão somente não me ver na solidão,
Que me arrasta nesse caminho de saudade.
Sem ter flores, risos e perfumes de compaixão,
A tua lembrança com outro querer me invade.

Mais uma noite que escuta o meu chorar.
Na dor da espada no meu peito ferido.
E esse meu morrer já não tem onde morar.
Dele só se sabem e se conhecem o gemido.

Já não tenho mais nem mesmo a esperança.
Que um novo e ensolarado dia sempre traz.
Guardo comigo somente triste lembrança.
De um tempo longicuo onde morava a paz.




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