Com uma força sobrenatural, ela tentava abrir o grande portão de ferro.
Depois de algum tempo, quando gotas de suor brotavam em sua fronte,
Ouviu-se o rangido das dobradiças que cediam, e o portão foi aberto.
Não havia nenhuma vegetação, nada crescia naquele terreno árido.
Não se ouvia o canto dos pássaros, porque lá não haviam pássaros.
Foi andando por entre as pedras, algumas ainda machadas com seu sangue
já seco.
Elas lhe levaram ao tempo em que cavara aquela terra com as próprias
mãos.
Tempos estes, em que seu coração estava ferido mortalmente pelas ilusões
perdidas.
A sua pele em chagas gotejava o sangue com que sua alma regava a terra.
Assim foi passando, um por um, os túmulos feitos em meio a inimaginável dor
sentida.
Em meio ao total silencio, escutava sua respiração mais ofegante a cada
passo.
E ali estavam eles, lado a lado, em perfeita simetria da traição e
deslealdade.
As pedras a sua volta, continham seu sangue e pedaços de seu corpo.
Tudo já estava se decompondo, mas seu coração reconheceu os pedaços que
lhe faltavam, ali caídos.
Sentou-se no chão, entre os dois túmulos da ingratidão e pôs-se a
pensar.
O que havia feito para ter merecido tamanha maldade daqueles que tanto
amara?
Jesus fora traído com um beijo, ela o fora entre sussurros que não
ouviu.
Tamanho era o seu amor por eles, que nunca imaginou que tramavam contra
ela.
E num “Até tu, Brutus?”, ela se viu sem chão, sem amor e despida de
tudo.
Agora ali sentada, sem lágrimas em seus olhos, parecia-lhe ouvir
gemidos.
De um lado, os gemidos eram chorosos de alguém que perdera a “mãe”.
Não tinha mais com quem conversar e contar suas desventuras da vida.
Na mediocridade de sua vida sem sentido, ria-se dos sofrimentos alheios.
Com maledicência falava como um sábio diante dos ignorantes fariseus...
E um som seco se ouviu e um corpo caiu, a pele de inocentes era cortada.
Com a mesma insensibilidade tudo explicava, sem entender que o mal
habitava seu espírito.
Era causa e consequência de tudo o que ocorria a sua volta, mas ria-se.
Do outro lado os gemidos eram mais tênues, mas não menos sofridos.
A soberba e a prepotência ainda existiam naquele ser carcomido pelo mal.
Exibia seu pobre troféu, fruto das mentiras e crueldades: uma galinha de
Angola.
Mas ela conhecia bem quem enterrara e sabia como era difícil manter-se
assim.
Os dias eram intermináveis e as noites longas para que pudesse esquecer.
Como esquecer o inesquecível? Ela estava em todos os lugares a sua
volta.
Levantou-se e foi em direção ao grande portão de ferro, fechou-o com
mansidão.
Encostou-se nele e deixou suas lágrimas, então, rolarem e sorriu para o
passado.
Nada tinha ali de seu, senão as cicatrizes das desilusões em seu frágil
peito.
Mas eram somente cicatrizes, não mais dores ou os gemidos que ouvira.
E a guerreira ergueu sua espada em direção ao céu, cercada pelos corpos
Um dia amados na meiguice da paixão e hoje abatidos, inertes e
solitários.