quinta-feira, 9 de abril de 2015

EMPEÇONHENTAR




Nada é pior que a calúnia.
Ela transforma vítimas em réus.
Certas pessoas possuem esse poder,
Maligno, mortífero, devastador.
Usam seu poder de persuasão,
Usam palavras bem pensadas,
Fortes o suficiente para quebrar
Todo e qualquer argumento.
E assim, matam sua presa,
Sem derramar uma gota de sangue.
Vampiros de almas, destroem.
Vão sugando toda a dignidade,
Toda a honra e a vivacidade.
Nada mais querem que a vitória.
Mesmo que ela seja desnecessária.
É só pelo prazer, pelo poder.
Não lhes basta destruir os sonhos.
Acham pouco as lágrimas choradas,
As noites insones, o amargo na boca.
Acham pouco as humilhações infringidas,
A tortura velada, o constrangimento imposto.
Precisam de mais, precisam destruir o todo.
É o prazer psicopata de presenciar a dor.
E assim o fazem, por nada.
Simplesmente para sentir-se um deus.
E a vítima, cada vez mais vítima,
Vai ficando só, envolta nas palavras cinzas,
Que seu algoz derrama sobre todos.
Aos poucos, forma uma teia impenetrável,
A sufocar a verdade que a vítima traz dentro de si.
E esta, sem forças, chora as ignóbeis sofridas,
Sabendo que só o tempo poderá redimi-la.
Tirar-lhe do cárcere imposto pelo impostor.
Mas, talvez, seja tarde demais,
Nada mais restando, senão as chagas do abandono.
 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

ORFÃO DE EMOÇÕES


 
 
 
 
 
 
Eram camas enfileiradas lado a lado
Exatamente iguais, com lençóis brancos,
Não de um branco qualquer, imaculadamente brancos.
Órfãos, por opção, eram tratados como iguais,
Muito embora iguais não fossem.
Havia os mais inteligentes, os altos, os bonitos,
Os com talento para a música, os esportistas,
Os de família abastada e os mais humildes.
Havia, também, os outros.
Aqueles que não se distinguiam por nada.
Os que a sorte não dera nenhum talento.
A estes, restava apenas o anonimato.
Para se destacar, precisava usar de algumas artimanhas.
Nem sempre de forma honesta e integra.
Assim passavam-se os anos, eles cresciam,
Defendendo-se da maneira que conseguiam.
Havia muito rigor e punições sem haver maus tratos.
Também, não havia beijos, abraços ou demonstrações de afeto.
O contato físico, qualquer que fosse, era proibido.
E assim, sendo só mais um, ele foi moldando sua imagem.
De tal forma, encobriu suas arestas, que chegou a esquecê-las.
Tornou-se um orador sensato, que sabia o que queriam ouvir.
Não falava com o coração, não havia qualquer sentimento
Em suas palavras, mesmo quando lágrimas saiam de seus olhos.
Era tudo um jogo que aprendera ao longo dos anos.
Não nutria amor por quem quer que fosse, senão a si mesmo,
E aos seus objetivos de destacar-se entre tantos.
Com suas palavras cuidadosas e suas atitudes ensaiadas
Foi vivendo a vida num teatro de faz de conta.
Não via nada que lhe obrigasse a tomar uma atitude desagradável.
Não ouvia nada que lhe obrigasse a tomar um partido.
Ignorou sofrimentos, lágrimas e até a morte.
Tudo para não ter que tirar a máscara tão cuidadosamente construída.
Era admirado, respeitado e todos lhe tinham afeto.
Mas, quando só, sem que ninguém, pudesse vê-lo ou ouvi-lo.
Deixava a inveja, a mesquinhez, a malícia e suas artimanhas,
Tomarem forma e saírem de seu corpo como se outro fora.
Não tinha amigos, era tudo uma farsa, eram peões a serem usados.
Gargalhava com desdém daqueles que há pouco abraçara
E chamara de irmão, de amigo do peito, companheiro.
Não havia uma só pessoa que escapasse da sua ironia vil.
Pois, na verdade, continuava sendo aquele menino invisível.
Nada construíra na sua vida, vivera de iludir e mentir.
Nunca secara uma lágrima, nem mesmo dos mais íntimos.
Se passava a mão pelo rosto molhado de alguém,
Era porque seria a atitude correta naquele momento,
Sem sentimentalismos ou emoções, era o que se esperava dele.
Fingiu, feriu, magoou, traiu, tudo impunimente,
Graças ao seu poder de persuasão, que treinara
Exaustivamente, por toda a vida.
Na verdade, era um fracasso em todos os sentidos,
Pois sem sua armadura protetora, era só mais uma
Cama imaculadamente arrumada.
E assim passam-se os dias, sendo cada dia,
Uma apresentação teatral a ser recitada com perfeição.
E sente uma alegria interior imensa por saber-se
Senão um vitorioso, mas quem coloca os vitoriosos a seus pés.
Tolos, como eu, que acreditaram nessa farsa humana.
Vampiro de almas e espíritos que se deixam sangrar.
Ri-se a vontade, pois em nada crê, mas há de chegar o dia
Em que lhe será apresentada a conta de todos os açoites
Infringidos  aos que viveram ao seu lado como amigos e amores.
Pois a Deus não consegues enganar e Este não há de te perdoar.

 

 

 

 

 

 

 

 
 



 

 

 

 


sábado, 4 de abril de 2015

VESTIDO RODADO.

                
 

 

     Assim que tocava a campainha,
     Meu coração acelerava,
     Meus joelhos tremiam,
     E eu corria para a porta,
     Com meu vestido rodado,
     Abria e lá estava ele,
     Com toda sua imponência,
     Sua prepotência de senhor da razão.
     Tentava passar por entre suas pernas
    E ele, carinhosamente, me puxava,
     Dizendo: não vais dar um beijo no pai?
     Rapidamente beijava seu rosto
     Na tentativa de sair o mais rápido possível
     Corria para a calçada, sentava-me no meio fio.
     Tapava os ouvidos com minhas pequenas mãos
     E colocava a cabeça entre os joelhos.
     Na vão tentativa de tornar-me invisível.
     Pouco depois começavam os gritos e choros.
    Era sempre a mesma coisa.
     A garotada do prédio ria-se,
     Não sei se de mim, se da cena.
    E aquilo tudo me fazia menor ainda.
    Ele gritava, ela chorava.
     Ela gritava, ele desdenhava.
     E assim passavam-se horas,
     Ou somente minutos,
     Da minha angústia interior.
     Aquela dorzinha lá dentro do peito,
     Dorzinha não de chorar, mas de lamento.
     Assim como começava,
     Sem que eu soubesse o motivo,
     Fazia-se o silencio.
     E no meio das gargalhadas,
     Via as janelas se fechando,
     Com cabeças balançando,
     Em total reprovação.
     Passo a passo, subia as escadas,
     Segurava a maçaneta,
     E meio sem jeito abria a porta.
     A mesa estava servida
    Com a comida predileta dele.
     Sentava-me na pontinha da cadeira,
     E fazia força para engolir, prantos e comida.
     Há quanto tempo vivia isso?
     Tempo demais, para nunca esquecer.
     O odiava por fazer isso conosco,
     A odiava por aceitar que fizesse.
     E temia a Deus por não “Honrar pai e mãe”.
     Os anos se passaram, sempre igual.
     E, ainda hoje, quando ouço gritos,
     Volto aos tempos de outrora,
     Mesmo impassível, sou uma garotinha,
     De vestido rodado, encolhida,
     Sentada no meio fio da vida.

 

 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

VOCÊ SEM MIM

  Você achou que fosse fácil me esquecer.
Você achou que não faria falta.
Você pensou que eu não era ninguém.
E como ninguém me tratou por tempo demais.
Agora, olhas em volta e me vês em toda parte.
E me encontras em lugar algum.
Sente o vazio da minha ausência.
Pensou que seria bom, não foi.
Cercou-se de risadas sem sentido.
Pagou para ter pessoas ao seu redor
Mas eu não estava lá, estava sozinho.
Quem iria sonhar seu sonho contigo?
Quem estaria sempre ao seu lado?
Não vê saída. Terá que retroceder.
Não conseguiste virar a página.
Como fizeste tantas vezes.
Nunca houvera alguém como eu.
É tarde para voltar atrás.
Pulos, graças e brincadeiras tolas
Não podem substituir a mão na mão
A certeza do companheirismo.
Procuraste pelo bolo, pelo carinho.
Não havia nada, conheceste o sabor
De não ser ninguém para ninguém.
Sabor esse que desfrutei em suas mãos.
Perdeu o sonho de uma vida
Pouco a pouco vai desmanchar
As alegrias das coisas feitas.
O som dos pássaros vão se calar,
As flores vão murchar,
Não haverá aroma no ar.
Tudo se perdeu por uma ilusão
Efêmera, falsa, fugaz.
Volta às coisas da qual fugiu.
Brincaste com a felicidade e perdeste.
Achava que iria ganhar, esquecendo
Que o jogo só termina na última rodada.
A saudade vai chegar, fará tudo para apagá-la
Sem obter sucesso em um instante sequer
Pois meu cheiro está impregnado no seu corpo
Olhará o horizonte e me verá, de forma desbotada
Trazendo nas mãos todos seus sonhos e esperanças.
Na sua contumaz prepotência
Negará as lágrimas choradas
Tentará outros carinhos
Tudo será em vão, tudo foi perdido.
Nas palavras não ditas.
Nas lembranças não lembradas.
No desdém do dia a dia.
Na falta de importância do importante.
Agora estou inalcançável
Tal quais as estrelas que iluminam
Tuas noites insones de mim.
Triste figura patética, a me procurar
Em todos os lugares em que passa
Mas nunca haverá de encontrar
Porque lhe dei o meu melhor
Dei-lhe um paraíso
E enlouquecido por palavras vãs
Vive, hoje, no inferno que lhe acompanhará
Por toda a vida, a partir do instante
Que saíste sem sequer dizer adeus.
Abandonada, abandonei
Por um momento tenho piedade.
Mas, é só por um momento,
Nada mais.

Desespero





Não havia um lugar qualquer em que eu pudesse chamar de meu.
Sentia na pele a inconveniência da minha presença.
Teu olhar, tuas ações e omissões me levavam ao nada.
Queria-me transparente e invisível esforçava-me para ser.
Sentava-me na varanda, o mais silenciosamente possível.
E tecia longos e complicados bordados.
Não comia, para não me teres na tua frente.
Usavas das piores armas: o olhar e o desprezo.
Culpada sem saber do quê, encolhia-me.
Mil pensamentos me assolavam a alma.
Não tinha para onde ir, não havia fuga possível.
Assim mantinha-me quase que imóvel.
Ao final da tarde, sentava-se a minha frente,
Vagarosamente, tirava os sapatos e as meias.
E descalço caminhavas, no raio da minha visão,
Sobre a grama verde, clamando pela energia da terra.
Não olhavas para mim, talvez por não suportar,
Toda a tua tamanha crueldade.
Lágrimas teimavam em afrontar-me ou afrontar-te.
Eu era a energia negativa que te assombrava.
Nem mesmo sabia qual o mal havia te feito.
Mas havia uma sombra de ódio a me cobrir.
O ódio de haver descoberto a farsa que eras.
Não podias conviver assim desmascarado,
Sob o risco de ver tuas deslealdades reveladas.
O sarcasmo com que falavas dos teus amigos.
A amnésia conveniente com que sempre viveras.
As palavras bem pensadas e bem faladas que usavas
Em todas as ocasiões, te tornando quase um deus.
Que raramente eram ditadas pelo coração.
Eu, ali, subjugada pela tua ira.
Era a única prova da tua vida de fracassos,
E não podias conviver com isso.
Então, torturavas-me com ameaças veladas ou não.
Impotente, aceitava o açoite que me matava pouco a pouco.
Então, um dia te foste sem sequer dizer adeus.
Sozinha, perseguida pelo pânico, não dormia.
Olhava-me no espelho e já não havia qualquer reflexo.
Finalmente, tinhas conseguido transformar-me em ninguém.
Sentava-me no chão, colocava a cabeça entre os joelhos,
Cobria a cabeça com minhas tremulas mãos,
E gritava assustadoramente, sem soltar som algum.
Já a beira da total insensatez, mãos vieram a me socorrer.
Mãos bondosas, mãos desconhecidas, mãos amigas.
Ergueram-me, banharam-me e vestiram-me,
De dignidade, de honra e de força.
Pude, então, ver que era vítima da tua vil estupidez.
E assim, quebrei as correntes com que me mantinhas.
E hoje estou livre das garras com que rasgastes o meu corpo.
E tu estás livre do quê?




AMANHÃ


Depois de tantos anos passados
Caminho por onde tão bem conhecia
Não me surpreende vê-lo assim descuidado
O mato crescido, flores descoloridas.
O cheiro é de mofo, de abandono.
Entro na casa com paredes descascadas
E sei onde encontra-lo:
Sentado na espreguiçadeira desbotada,
Da varanda empobrecida.
Cercado por dois velhos cães,
Que me abanam o rabo,
Como se nunca dali tivesse saído.
Os olhos apagados miram o horizonte.
Nem notas minha presença,
Tal qual outrora fazias.
Mãos tremulas seguram um caderno.
Sento-me, no chão, ao seu lado.
Levanto minhas mãos, que roçam nas tuas,
E pego o caderno do teu colo.
Não sei bem se para me notares
Ou simplesmente por curiosidade.
Não te mexes, mal escuto tua respiração.
Abro folha por folha e vejo velhas historias
Cobertas com enormes x a esconder detalhes
Folha após folha, todas com a mesma marca.
Marca da estupidez de negar o vivido.
Já quase no final, há escritos intactos.
E neles reconheço pedaços da minha vida,
Alguns borrões, talvez de tuas lágrimas,
Talvez de tinta de uma velha caneta.
O que importa?
Depois disso, só folhas em branco,
Mostrando que nada mais existiu.
Fecho o caderno e o recoloco no mesmo lugar.
Levanto-me com dificuldade,
Os anos também passaram para mim.
Mas não escrevi minha história em lugar algum
Vivi cada momento, chorei cada dor,
Sofri, gritei, rasguei-me por inteiro,
Sem nunca virar uma página,
Como se nada houvesse acontecido.
Encaminho-me para sair e num último instante
Olho para trás e encontro teus olhos a fitar-me
E vagarosamente, uma única lágrima escorre deles.
E essa lágrima faz lembrar-me o quanto chorei por ti,
E como não tiveste piedade nem compaixão por mim.
Volto-te as costas e sigo em direção à saída.
Sei que ali não mais voltarei, nem mais te verei.
Pensei que ao vê-lo assim, alquebrado,
Poderia perdoa-lo de todo o mal que me fizeste.
Mas não fui capaz. As cicatrizes em meu corpo,
Ainda eram chagas abertas, alimentadas.
Pelo desdém, pelas palavras frias e impiedosas.
Com que me abandonastes sem rumo
Quando eu nada tinha além de ti


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