quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Estreiteza

O lago estava cheio. A água transbordava por suas encostas, como sua felicidade transbordava por seus poros. Tudo era sereno... a paz e o amor reinavam.
Um dia, sem qualquer explicação, a doçura mansa foi evaporando-se e enchendo-a de seu líquido claro.
Por vezes, era tanto e com tamanha força, que escorria de seus olhos. Não mais como o néctar da natureza, mas salgado como a fúria de Netuno.
Sem nada compreender, ela olhava incrédula para a secura a sua volta. Tudo era estreiteza.
Os sentimentos se encolhiam, o absurdo tomava seu lugar, as folhas caiam e os pés sangravam.
O chão se abriu nas fissuras da aridez de tudo.
Sem saber voar, ela caiu de joelhos nas profundezas do desconhecido.
A água a trouxe de volta, velejando aos ventos da sorte. Acordou no salgado das lágrimas de seus olhos que se derramavam sobre a areia fina.
Encheu o mar com a abundância de seu sofrer e o mar a encheu na abundância de seu amar.
O equilíbrio se fez presente.
A gota que um dia fora, hoje resplandecia entre gotas prateadas da lua cheia.
Sentada na areia molhada, sentia a brisa a esvoaçar seus cabelos e a espuma branca envolver seu corpo. Ela ali estava, contida numa miscelânea de plenitudes infinitas.
Tudo era sereno, manso e harmônico nas ondas do lago que se fez pranto e no pranto que se fez mar.




sábado, 26 de dezembro de 2015

Tormenta


Aparecestes assim tão de repente
Como um vendaval em uma tempestade de verão
E derrubastes toda a minha estrutura.
Transformastes meu céu azul
Num cinza repleto de dúvidas.
Mantive minha certeza 
E te contei sobre o meu mundo.
Disse-te que jamais havia sido tão feliz.
Na verdade realmente jamais havia sido tão feliz...
Não te menti
Mas também não te disse a verdade.
Desdobrei a história em mil pedaços
E deixei ao chão para juntares.
Te contei verdades sobre o teu caráter.
Te contei mentiras sobre o meu.
E assim,
Brincando de esconde esconde com o acaso
Protegi-te da tempestade criada por ti
Quando apareceste tão de repente
Como uma tempestade em uma noite de verão...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Desenganos

Ele era o barco, ela a vela.
Ele ventania,
Ela calmaria.
Ele era o arco, ela a sela.
Ele liberdade.
Ela saudade.
Ele era o marco, ela a bela.
Ele tormento.
Ela, lamento.
Ele era o parto, ela o ato.
Ele solidão.
Ela canção.
Ele era o mito, ela o dito.
Ele ninguém.
Ela alguém.
Ele era o corte, ela a sorte.
Ele calmaria.
Ela ventania.
Ele era a solidez, ela a nudez.
Ele saudade.
Ela liberdade.
Ele era o caçador, ela o amor.
Ele, lamento.
Ela tormento.
Ele era a asa, ela a casa.
Ele canção.
Ela solidão.
Ele era a vingança, ela a herança.
Ele alguém.
Ela ninguém...


Os pardais



Sentada na areia fina, com as pernas dobradas e envolvida pelos seus braços, ela sentia a água salgada molhar seus pés.
Olhava o mar escuro, pouco a pouco, dourar-se com os primeiros raios de sol que nasciam no horizonte.
A brisa fria arrepiava sua pele e esvoaçava seus cabelos. Sentia toda a força do universo a lhe envolver.
O cheiro forte da maresia, entrava por suas narinas e alojava-se dentro de si. Nada era mais reconfortante!
Sentiu sua vida e viu o quanto era feliz. Tivera tudo. Perdera algumas. Mas o saldo sempre fora positivo. Sentia-se abençoada.
Nada nem ninguém, nunca pudera lhe tirar a força de guerreira, a calmaria de mulher ou a dignidade de ser humana. Isso lhe pertenceria até o último dia de sua existência terrena. Assim seria!
Na praia deserta ouvia o piar dos pardais, exclusos de beleza e voz. Sentiu-se um deles. Tão majestosos na sua total falta de atrativos. Eram sobreviventes... como ela.
Lágrimas escorreram de seus olhos, na fugaz saudade daqueles que se foram. Por eles teria dado a vida. Os amara de forma integral e incondicional.
Com o dorso da mão, secou uma lágrima e depois outra. Negava, nesse momento, o luto que vivera. A perda era deles e não sua. As carpideiras lamentavam por eles e não por ela. Não mais permitiria a troca de valores.
Levantou-se e, como Narciso, foi olhar seu reflexo na água. Tinha o brilho que só é permitido as pessoas em paz. Nem mesmo as imagens distorcidas e os olhos enevoados a suas costas, poderiam macular sua vida. O tempo passava para eles e regredia para ela.
Perdera tudo que tivera, exceto a honradez. Deixada ao léu, seus filhos e amigos foram sua única base de reconstrução. Essa base forte e segura, fez dos cacos um castelo onde agora ela morava.
Sorriu, onde antes houvera lágrimas, e levantou-se. Deu as costas para a imensidão da água e como uma gota seguiu seu caminho sabendo que tudo volta para o mar. 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Espera sem fim


Olho para ti
E tento desvendar toda a tristeza que habitou a tua alma.
Tento encontrar o motivo de toda a bondade que te consome, 
Agora.
E assim, 
No meio de procuras sem fim, 
Pergunto-me,
Inquieta,
Os motivos pelos quais não desististes da vida.
Tua infância difícil,
De lar em lar,
Sentado na beira da janela 
Esperando por aquele que nunca viria.
Uma cena de filme
Ou a realidade que tanto te afligiu.
Com marcas
Cicatrizes que jamais sumirão de tua alma
Vejo a mesma criança assustada de outrora.
Que continua sentada
Em frente à janela
Esperando por aquele que jamais retornará...

Cela


Por diversos motivos eu sofri. 
Vivi uma realidade que não me pertencia.
Mas acreditava que era tudo o que eu merecia.
Reclusa, 
Enquanto assistia o mundo parar,
Meus pés descalços 
Sangravam em cima da areia movediça sem fim
E assim,
Passei meus dias.
Sem nada a esperar
Apenas a temer.
E eu tive medo...
Eu tive medo da chuva que caía do lado de fora da janela de minha cela
Esta cela que construístes para me abrigar
Eu temia me desmanchar 
Eu temia deixar de existir
E temendo a inexistência, 
Apaguei-me dia após dia.
Desbotei o sorriso do rosto
E vesti-me de solidão.
Jogada ao léu
Dentro da cela que teu egoísmo criou
E dentro do universo vazio
Que consome a tua alma...


domingo, 6 de dezembro de 2015

ONDE MORA A INIQUIDADE

Com uma força sobrenatural, ela tentava abrir o grande portão de ferro.
Depois de algum tempo, quando gotas de suor brotavam em sua fronte,
Ouviu-se o rangido das dobradiças que cediam, e o portão foi aberto.
Não havia nenhuma vegetação, nada crescia naquele terreno árido.
Não se ouvia o canto dos pássaros, porque lá não haviam pássaros.
Foi andando por entre as pedras, algumas ainda machadas com seu sangue já seco.
Elas lhe levaram ao tempo em que cavara aquela terra com as próprias mãos.
Tempos estes, em que seu coração estava ferido mortalmente pelas ilusões perdidas.
A sua pele em chagas gotejava o sangue com que sua alma regava a terra.
Assim foi passando, um por um, os túmulos feitos em meio a inimaginável dor sentida.
Em meio ao total silencio, escutava sua respiração mais ofegante a cada passo.
E ali estavam eles, lado a lado, em perfeita simetria da traição e deslealdade.
As pedras a sua volta, continham seu sangue e pedaços de seu corpo.
Tudo já estava se decompondo, mas seu coração reconheceu os pedaços que lhe faltavam, ali caídos.
Sentou-se no chão, entre os dois túmulos da ingratidão e pôs-se a pensar.
O que havia feito para ter merecido tamanha maldade daqueles que tanto amara?
Jesus fora traído com um beijo, ela o fora entre sussurros que não ouviu.
Tamanho era o seu amor por eles, que nunca imaginou que tramavam contra ela.
E num “Até tu, Brutus?”, ela se viu sem chão, sem amor e despida de tudo.
Agora ali sentada, sem lágrimas em seus olhos, parecia-lhe ouvir gemidos.
De um lado, os gemidos eram chorosos de alguém que perdera a “mãe”.
Não tinha mais com quem conversar e contar suas desventuras da vida.
Na mediocridade de sua vida sem sentido, ria-se dos sofrimentos alheios.
Com maledicência falava como um sábio diante dos ignorantes fariseus...
E um som seco se ouviu e um corpo caiu, a pele de inocentes era cortada.
Com a mesma insensibilidade tudo explicava, sem entender que o mal habitava seu espírito.
Era causa e consequência de tudo o que ocorria a sua volta, mas ria-se.
Do outro lado os gemidos eram mais tênues, mas não menos sofridos.
A soberba e a prepotência ainda existiam naquele ser carcomido pelo mal.
Exibia seu pobre troféu, fruto das mentiras e crueldades: uma galinha de Angola.
Mas ela conhecia bem quem enterrara e sabia como era difícil manter-se assim.
Os dias eram intermináveis e as noites longas para que pudesse esquecer.
Como esquecer o inesquecível? Ela estava em todos os lugares a sua volta.
Levantou-se e foi em direção ao grande portão de ferro, fechou-o com mansidão.
Encostou-se nele e deixou suas lágrimas, então, rolarem e sorriu para o passado.
Nada tinha ali de seu, senão as cicatrizes das desilusões em seu frágil peito.
Mas eram somente cicatrizes, não mais dores ou os gemidos que ouvira.
E a guerreira ergueu sua espada em direção ao céu, cercada pelos corpos
Um dia amados na meiguice da paixão e hoje abatidos, inertes e solitários.


FAXINA DE NATAL

Todos os Natais da minha infância e adolescência tinham a mesma característica.
No início de dezembro havia a faxina de Natal e ela era rigorosa.
Passava-se primeiro o escovão (de ferro) com palha de aço por todo o chão, para ser retirada a cera velha,
Depois passava-se cera nova e o mesmo escovão, agora com uma flanela, dava o brilho.
Tudo parecia um espelho de tão brilhante e os olhos exigentes de minha mãe, eram severos.
Tirávamos as cortinas, as púnhamos para quarar e depois eram lavadas e passadas cuidadosamente.
As toalhas de linho eram todas engomadas com uma mistura feita por minha mãe de água com farinha de trigo, cozida.
Os móveis arrastados para que nem um grão de poeira restasse. Depois recebiam um lustro que deixavam nossos braços dormentes.
Nenhum vidro ou espelho poderia estar senão, impecável.
Depois iniciava-se a arrumações festivas, com sua árvore de Natal e Presépio, imaculadamente arrumados.
Os presentes eram depositados aos pés da árvore, um para cada um. Nada da fartura dos dias de hoje
As 9 horas tínhamos a ceia de Natal, com o tradicional Peru, maionese, arroz de forno, castanhas portuguesas cozidas, algumas nozes e uma farta mesa de doces.
Perto da meia noite, todos caminhávamos em direção a Igreja para a celebração da Missa do Galo que começava, pontualmente, a meia noite.
Assistíamos com o coração acelerado pois só na volta abriríamos o presente.
Assim cresci, sem nunca questionar essa rotina estabelecida pelas famílias da época.
São boas lembranças, lembranças se que se confundem com a minha vida.
Era Deus me preparando para o que haveria de vir num futuro, então distante.
Hoje, estou em faxina de Natal. Já foi passado o escovão com a palha de aço, retirando toda a cera velha que havia em minha vida.
A cera nova começa a ser espalhada e logo chegará o momento de dar-se o lustro.
As roupas estão quarando ao sol, para retirar o amarelado do tempo em que ficaram guardadas.
E assim minha vida vai recebendo a” faxina de Natal”, tal qual outrora.
E tudo ficará perfeito e todos ficarão felizes com suas bonecas de pano e carrinhos de madeira.
Também, minha vida, também está sendo meticulosamente arrumada para dias melhores.
Para se fazer a faxina de Natal, antes é preciso tirar tudo do lugar e só então começar a limpeza.
Para fazer a faxina da vida, primeiro é preciso tirar tudo do lugar e só então começar a recomeçar.





segunda-feira, 30 de novembro de 2015

PASSADO

Eu chorei muito tempo... eu te confesso.
Aos teus braços nunca mais regressarei.
Brincastes de homem forte com as cadelas,
Deixando-me abandonada, fostes com elas.
Ingênuo e tolo estavas sendo violentado,
Com palavras que te fizeram um coitado.
Eras tão bom, tão protetor e tão seguro.
Hoje de ti, sinceramente, nada me orgulho.
Tua alma é pobre, é fétida e mesquinha.
Destas que se vê toda hora a cada esquina.
Mendigas como andarilho por um carinho,
Pois todas elas estão felizes e...  tu sozinho.
Eu te perdoo toda a tua falta de compaixão,
Perdoo até mesmo a tua nefasta ingratidão.
Mas tua face, teu cheiro, tua voz e teu corpo,
Estes, eu junto tudo e eles se vão num sopro.
Sempre fui boa e leal... nunca tive maldade.
E agora da nossa vida...  nem mesmo saudade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

MARIPOSAS DA NOITE

Depois de tantos anos com alguém sempre ao seu lado,
Invejando seus amigos, os mariposas das noites insones.
Viu-se pela primeira vez sozinho e com total liberdade.
Tal qual um menino liberto dos zelos infindos da mãe.
No início ficou meio assustado e não sabia o que fazer.
Depois, os novos companheiros lhe ensinaram as rondas.
Bufão deslumbrado viu-se um rei, de um reino fugaz.
Assediado de forma contumaz, era a vida que sonhara.
E assim, de mão em mão, via passando as suas noites.
Sentia-se feliz e lamentava os tempos antes passados.
Como não descobrira antes toda essa vida de luxúria?
Era o paraíso na terra, lugar de onde nunca mais sairia.
Fazia exercícios, cuidava de sua aparência como nunca.
Galanteador e cheio de mesuras... mais um conquistador.
E assim viveu anos, crendo que tudo isso nunca findaria.
Seus cabelos grisalhos eram um chamariz por aonde ia.
Sua risada era ampla, mostrando os seus dentes alvos.
Então suas velhas mãos começaram a teimar em tremer.
Já não conseguia exercitar-se como antes e tudo lhe doía.
Não tinha mais forças para enfrentar as noitadas de antes.
Sentava-se no sofá, solitário, a assistir um filme qualquer.
O sono não vinha e as lembranças assolavam seu pensar.
Pela manhã, encontrava com amigos num boteco qualquer.
Almoçava os petiscos do bar para não sentar-se só a mesa.
Temia por sua saúde e o medo de não ter com quem ficar,
Fora o tornando hipocondríaco e a sua morte o martirizava.
Estava sozinho, em uma casa vazia de amores e de cuidados.
Tantas mulheres passaram por sua vida, mas ele não as via.
Era mariposa da noite a voar para a luz, acreditando ser o sol.
Agora as lâmpadas lhe queimavam as asas de forma desleal.
O seu paraíso, fez-se inferno e de rei passou a ser o vassalo.
Lamentou o tempo passado, as mãos estendidas que recusou.
Queria corpos e não as almas que agora estariam ao seu lado.
Não tinha que lhe fizesse afago, nem ouvisse as suas histórias.
Tudo tinha que pagar: carinhos, companhias, sorrisos e ilusões.
Finalmente, foi perceber que era um velho já há muito perdido,
Que precisara aproveitar a vida de forma lasciva e despreocupada.
Esquecendo-se que um dia viria a precisar de olhos compassivos,
De um bom dia e boa noite carinhosos, de um falar manso e suave.
Então, tarde demais, deu-se conta que seu castelo era só de areia.
As oportunidades perdidas foram para sempre abandonadas ao léu.
E sua vida purgava num inferno que um dia chamara de paraíso.





terça-feira, 24 de novembro de 2015

ACUIDADE

Sinceridade?
Estou cansada...
Verdade?
Não dá em nada...
Saudade?
É vida passada...
Bondade?
Para ser pisada...
Liberdade?
Só se for usada...
Vontade?
Roupa molhada...
Amizade?
Paixão abafada...
Voracidade?
Ilusão destroçada...
Fatalidade?
Traição disfarçada...
Lealdade?
... pode ser facada...




HISTÓRIA EM DOIS ATOS


Não sei se estas a zombar,

Ou simplesmente a brincar.

Não sei se sou alguém,

Ou simplesmente ninguém.

Brincadeira de gato e rato,

É o fim do primeiro ato.

Homem inseguro ou...

Menino maduro?

Não tenho medo do escuro!

Urgente... pungente...

De amores, soldado

Tenha muito cuidado.

Quando a cortina fechar...

O Show vai se acabar.

domingo, 22 de novembro de 2015

NUMA NOITE


Mais uma noite dolorosamente silenciosa.

E nessa mansidão perco-me no nada.
Escuto sons nunca dantes ouvidos
É mais uma ilusão, de toda misteriosa.
Assim sozinha, minha triste alma vaga.
A ouvir lamentos, dores e gemidos.

Por que teimo em deixar-me chorar?
Se a brisa que me envolve me acalenta.
E sem ter resposta, envolvo-me em mim.
Por onde anda meu corpo a se acabar?
Em que esquinas da vida se lamenta,
Já tão pobre desse amor que não tem fim.

Nada peço desta vida que me fez ninguém.
Só te peço para que minha lucidez já banida,
Me estenda a mão e me ajude a levantar.
Não sonho mais, nem desejo ser seu bem.
Sei que serei para sempre a tua bandida.
E de tanto saber já aprendi não me importar.

Queria tão somente não me ver na solidão,
Que me arrasta nesse caminho de saudade.
Sem ter flores, risos e perfumes de compaixão,
A tua lembrança com outro querer me invade.

Mais uma noite que escuta o meu chorar.
Na dor da espada no meu peito ferido.
E esse meu morrer já não tem onde morar.
Dele só se sabem e se conhecem o gemido.

Já não tenho mais nem mesmo a esperança.
Que um novo e ensolarado dia sempre traz.
Guardo comigo somente triste lembrança.
De um tempo longicuo onde morava a paz.


QUEM É VOCÊ?


Quem é você que some na noite,
Agita meu sono e invade meus sonhos?
Quem é você que me mostra seu perfume,
Mas me esconde seu cheiro?
Quem é você que com versos me encanta,
E na penumbra se esconde?
Quem é você que me embala em seus braços,
Ainda abstratos para mim?
Quem é você que me chama pelo nome,
Sem que eu escute sua voz?
Quem é você que procuro e me perco,
Em suas palavras e suas rimas?
Quem é você, vulto misterioso
 A assombrar meu sossego sem se mostrar?
Quem é você que usa de artimanhas,
Arte e manhas a me conquistar?
Quem é você, fantasma do destino
Que habita em mim e me pertence?
Quem é você que foge e se esconde,
Aparece e preenche... por fim?
Quem é você que luta e reluta,
Indeciso no caminho a seguir?
Quem é você que é sem nunca ter sido,
Que mora e tem domicílio em mim,
Em si ...em nós?


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

POR QUE?

A noite cai pesada sobre meus ombros, lacerando a pele.
Meus olhos sobem para o céu, mas não há lua ou estrelas.
Nada vejo além dos meus pensamentos se materializarem.
E nada disso é bonito ou ditoso, nada é o que queria ver.
Quando as cores fogem dos olhos e tudo que vejo é cinza.
Quando as pessoas viram vultos de disformes contornos.
Todos os sons se tornam ruídos que não consigo determinar.
Nada há para amenizar a dor da peçonha que me envenena.
Fecho os olhos para fugir das grotescas coisas que me invadem,
Mas de forma traiçoeira, elas permanecem no mesmo lugar.
Os caminhos estão fechados e não há um local apaziguador.
Conformo-me na inexata regra do meu estranho sobreviver.
Na mentira que criei para mim mesma, vejo um outro amanhã.
Transformando todos os meus dias em esperanças futuras.
Os dias são intermináveis e as noites assustadoramente longas.
Na cegueira das injustiças, movo-me lentamente para o nada.
De forma antagônica acredito no que já deixei de crer há muito,
Minha teimosia de querer ter a felicidade como ar que respiro.
Assim, asfixiada em meio as desilusões e desencontros vividos,
A tua alegria me agride porque a tecestes com minhas lágrimas.
Usaste o fio da minha dor para desenhar um rascunho de vida.
E quando te cansares, amassaras o feito e o jogarás para longe.
Esquecendo-se da matéria prima que utilizaste para realiza-lo.
E eu já despida de tudo que havia em mim, prantearei o luto
Da minha vida que foi traída, roubada e finalmente, descartada.
Teu riso afrontará minhas chagas, que queimam na carne viva.
Mas meu sangue manchará todo o caminho por onde andares.
E no jogo de presa e predador, não há vencidos nem vencedor.
Somente mágoas de um sofrer que nunca cessa em seu doer.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

PÁSSARO ERRANTE

Ela andava sobre as pedras das ilusões já perdidas.
Aranhava-se nos galhos das esperanças sem sentido.
E determinada, de forma destemida, seguia em frente.
O corpo todo ia se ferindo durante a árdua jornada,
Mas ela sequer olhava para trás, para o que deixava.
A dor da alma suplantava e abrandava a dor da pele.
Tudo, um dia, cicatrizaria como ocorrera muitas vezes.
Ficara surda aos chamados das falsas juras de amor.
A brisa das desilusões sofridas secava o seu pranto,
Antes mesmo das lágrimas que teimavam em se formar.
Tentara com todas as suas forças lutar contra o inevitável.
Esse adeus não dito foi, de todos, o que mais lhe doeu.
Quisera não tê-lo feito, quisera não ter virado as costas.
Enfim chegara o momento em que nada mais restava.
Vestiu-se com roupa de coragem e foi-se sem nada dizer.
Não havia necessidade de explicações, estava explícito.
De seu peito fenestrado, ela o libertava pássaro errante,
Para voares por onde quisesses, para aonde desejasses.
Tu sempre saberias onde encontra-la, aonde ela estava.
E se um dia já cansado do mundo, pousasse em sua janela,
A veria a viver a vida que lhe estava predestinada a viver,
Mas não a reconheceria pois seus lábios já haviam secado
Pela falta do derradeiro, o beijo que só na saudade existiu.
E ela também não já o reconheceria pois das humilhações,
Descasos e descuidos dele, ela tecera uma venda a lhe cegar.
Para caso ele viesse a sua procura, ela não o visse a sua frente.



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

LETRAS SOLTAS

Ele olhava a sua volta, em qualquer direção, e só via devastação.
Nada havia que pudesse fazer, tudo morria e se ia como ela fora.
Ainda lembrava-se de seus olhos brilhantes, seu sorriso tão franco.
Sua insaciável vontade de viver, de criar, de iluminar tudo e todos.
Seu jeito destemido a desbravar caminhos e sonhos nunca sonhados.
As loucuras que juntos fizeram na mais completa e perfeita lucidez.  
Ria ao lembrar-se das suas tolices enquanto as lágrimas escorriam.
Ainda sentia sua mão macia procurando a dele, enquanto andavam.
Parecia-lhe que fora ontem a última vez, mas tanto tempo já se passara.
Primeiro ela foi murchando, apagou seu sorriso e enevoou seus olhos.
Depois suas forças foram desaparecendo como os pássaros ao anoitecer.
Mais tarde, tornou-se uma sombra invisível de tudo aquilo que era antes.
Até o dia em que deixou de existir para sempre, tornando-se inacessível.
Por que aquilo tivera que acontecer de forma assim tão inesperada?
Por que ele não percebera que ela estava morrendo aos poucos?
Ela que o salvara e outras tantas coisas protegera com seu corpo.
Ela que nunca o deixara sozinho nas suas horas de aflição e de dor.
A companheira, parceira, cumplice, amiga, mãe, filha e sua mulher.
Agora, estava ele ali sozinho em meio à ruinas, restos da sua ausência.
O pouco que ainda o fazia sentir-se vivo, era o filho que ela lhe deixara.
Ele não sabia onde ela estava, mas devia estar feliz, bem e em total paz.
Talvez ela estivesse vendo tudo, lá do alto e quem sabe tivesse piedade.
Ela sempre fora uma pessoa boa e caridosa, quem sabe o teria perdoado.
E de todo mal que ele lhe causara, somente uma vez ela lhe fizera chorar.
Já cansada de tantos descasos, tantas omissões, ironias e humilhações,
Olhou-o nos olhos e sem qualquer compaixão falou lhe todas as mágoas.
Nada fez pelas costas, escondido ou aos sussurros como ele lhe fizera.
Olhou-o bem dentro dos olhos, viu sua soberba transformar-se em pó.
Mas não riu de suas lágrimas como ele fizera com as dela, tantas vezes.
E agora, em meio ao caos que sua vida se transformara, ele que achara
Que ela não era prefácio nem epílogo na sua existência de falsos valores,
Descobrira que ela e somente ela fora o livro todo e que ele não o lera

FARSA

O sorriso em meu rosto e a risada gostosa,
A todos encanta e exala felicidade no ar.
Com passos firmes e andar sempre altivo,
Vou passando pelas ruas com brilho no olhar.
Retribuo com meiguice todas as gentilezas.
A prepotência e a soberba não me seguem.
Recuso de forma branda a todos os convites,
Quase como se estivesse me desculpando.
Todos desconhecem o meu intenso sofrer,
Que trago fechado, num cantinho escondido,
Do meu coração de tão ferido, anestesiado.
Quando a porta se fecha, dispo-me da alegria.
Jogo os saltos ao longe de qualquer jeito, e
Deslizo pela porta fechada até chegar ao chão.
Abraço minhas pernas para conter seu tremor.
Introverto-me e inverto-me dentro de mim.
Já sem conseguir chorar, olho para dentro,
E lá vejo o medo da escuridão avassaladora
Que envolve todos os meus doloridos penares.
Arrasto-me, trôpega, para o calor das cobertas.
Envolvo-me em lembranças dos dias ditosos
Perdidos no tempo e só lembrados na alma.
Em secos soluços, olho para o vazio da cama
De cobertas arrumadas como a te esperar.
Noites infindáveis te procuram, sem sucesso.
Viro-te as costas para não ver que ali não estás.
O pranto que não escorre mais pelo meu rosto,
Rega meu peito, na erosão de esperanças vãs.
Procuro meu sono e descubro que ele se foi,
Para contigo dormir em sonhos já perdidos.
E assim só, fico a escutar o sussurro do silêncio.



segunda-feira, 2 de novembro de 2015

MULHER


Mulher, que esperas da vida
Essa tão mal vivida
Recheada de dor.
Mulher, tudo foi desamor
Neste mundo cigano
Feito de desenganos
De lamentos sem fim.
Mulher, eu te quero assim
Com teu jeito sereno
De menino pequeno
Que perdeu a esperança.
Mulher, uma eterna criança
A chorar pelas ruas
Todas elas tão nuas
Com o teu padecer.
Mulher largue todo o sofrer
Venha para os meus braços
Descansar teu cansaço
No meu peito abrigo.
Mulher fica junto comigo
Mostra-me teu sorriso
É só do que eu preciso
Pra poder te ensinar:
O que é amar,
O que é sonhar,
O que é voar,
Sem mais chorar.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

MÃOS

Ela lembrava-se, nitidamente, das suas mãos tão grandes.
Sentia-as deslizando, carinhosamente, pelas suas costas.
Não eram macias, nem mesmo bonitas, mas muito suaves.
Ela fechava os olhos e saboreava extasiada aqueles abraços.
Eram momentos únicos, lúdicos, que queria ser infinitos.
Aos poucos, sem que ela soubesse a causa, foram rareando.
E ela foi se sentindo perdida, sem respostas as suas perguntas.
Sua alegria foi se esvaindo, esqueceu como era sorrir e brilhar.
Já não ouvia música, nem apreciava as coisas belas a sua volta.
Não via mais o corpo dele como fazendo parte de seu corpo.
Assim ela foi se afastando mais e mais daquele a quem amava.
E tudo começara pela falta do toque das rudes mãos dele.
Mesmo assim, ela tentara desesperadamente, tê-lo de volta.
Foi sua companheira, solidária em seus medos e sofrimentos.
Sonhou seus sonhos e fez com que tivesse coragem de sonhar.
Envolvia as grandes mãos com as suas mãos de forma suave.
Em forma de concha e elas se alinhavam em total perfeição.
Toda a felicidade ali contida e não fugiam por entre os dedos.
Palavras ríspidas, críticas irônicas e o desmazelo com o amor,
Faziam com ela se sentisse a cada dia menor e mais distante.
Por vezes queria ser invisível, mas nada falava e só o olhava.
Chorava no chuveiro e deixava suas paixões irem-se pelo ralo.
Todo o abandono em que se encontrava, com ninguém dividia.
Sofria sozinha no descaso da ausência daquele a quem amava.
Um dia, ele afastou suas mãos da dele e ela tropeçou na dor.
Desconcertada com o paradoxo daquilo tudo, calou-se de novo.
Poucos dias antes, dissera-lhe que iria mudar e viver de amor.
Olhou-o sem entender nada e nada ele lhe disse nessa hora.
Foram dias intermináveis e noites com a alma desassossegada.
Então, virou as costas e saiu regando a terra seca com seu pranto.
Não olhou para trás, para todas as ilusões e esperanças ali deixadas.
Seguiu em frente, trôpega e vacilante por um caminho de pedras.
Levou consigo as mãos que envolviam mãos, agora, desprotegidas.
E assim, pouco a pouco, tudo foi caindo pelo vão dos rudes dedos.
A cada dia, algo se perdia para sempre como perdera o amor dela.
Sozinho, no meio do nada, via seu mundo se despedaçar lentamente.
Já não havia mais cor ou perfume, até sua sombra o abandonara.
Pensara em ter uma vida inesquecível ao lado de outras pessoas.

Mas inesquecível, foi somente a ausência daquela que lhe dava luz.

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